Descrição
Abstract. Based on Leontiev’s theory, this paper investigates the relationship between agribusiness interference in school education and the formation of consciousness within contemporary capitalism, highlighting how educational programs promoted by rural elites naturalize the capitalist social relations of production that have triggered the ongoing climate collapse. By portraying the practices of large-scale monoculture farming as a symbol of technological modernity combined with rural sustainability, agribusiness intensifies the disconnection between dominant social meanings and the lived experiences of individuals, thereby undermining collective organization aimed at constructing alternative societal models beyond the predatory logic of capitalism. The study concludes that the struggle for a new societal project requires access to social meanings that reveal the historical determinations of bourgeois sociability and its necessary overcoming.
Keywords: school education; awareness; climate crisis.
Resumo. A partir da teoria de Leontiev, este trabalho investiga a relação entre as ingerências do agronegócio na educação escolar e a construção da consciência no capitalismo contemporâneo, evidenciando que os programas educativos promovidos pelo patronato rural naturalizam as relações sociais de produção capitalista que desencadearam o colapso climático em curso. Ao apresentar as práticas do latifúndio monocultor como ícone da modernidade tecnológica aliada à sustentabilidade no campo, o agro acentua a oposição entre os significados sociais e os sentidos conformados na experiência prática dos sujeitos, comprometendo a organização coletiva voltada para a construção de alternativas societárias que superem a lógica predatória do capitalismo. Conclui-se que a luta por um novo projeto societário demanda o acesso a significados sociais que expressem as determinações históricas da sociabilidade burguesa e sua necessária superação.
Palavras-chave: Educação escolar; consciência; crise climática.
1. Introdução
O agronegócio é um dos tentáculos por meio dos quais o modo de produção capitalista impõe a “ruptura irremediável no metabolismo social, prescrito pelas leis naturais da vida” (Marx, 2017b, p. 873), configurando-se em um dos principais vetores da crise climática. No Brasil, a grande maioria dos municípios que mais desmataram, emitiram gases do efeito estufa e perderam recursos hídricos é comandada por prefeitos ruralistas com histórico de infrações ambientais. A expansão da agroindústria em nosso país é marcada pela violência contra os povos originários e tradicionais, por condições de trabalho análogas à escravidão e pela devastação ambiental.
A perpetuação dessa lógica destrutiva requer a construção de sujeitos que naturalizam a propriedade privada da terra, a mercadorização dos recursos naturais e o extermínio de modos de vida não capitalistas. Para tanto, escondem-se as determinações históricas desta sociabilidade, apresentando seus preceitos como leis universais. Como resultado, a destruição ambiental é normalizada como expressão do progresso civilizatório, nublando a necessária superação do modo de produção vigente, cuja lógica predatória - responsável pela crise climática em curso - ameaça a continuidade da vida no planeta.
Nesse sentido, a educação escolar desempenha um papel central na perpetuação da ordem social burguesa. As instituições de ensino, enquanto legitimadoras dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos que medeiam a compreensão da realidade, atuam como um dos principais pilares da construção da consciência. Dessa forma, no intuito de garantir a hegemonia da ideologia burguesa na educação escolar, os conglomerados empresariais e as organizações internacionais controlam a formulação das políticas públicas educacionais, a elaboração da base curricular e a produção dos materiais didáticos (Lamosa e Loureiro, 2014; Nascimento e Almeida, 2021).
Dentre os segmentos da classe dominante que exercem forte ingerência na esfera educacional no Brasil, destaca-se o lobby do agronegócio. Representantes das elites ruralistas têm firmado parcerias com as redes públicas de ensino para disseminar uma imagem distorcida do latifúndio agroexportador, apresentando-o como ícone da modernidade tecnológica aliada à sustentabilidade no campo. Da mesma forma, o patronato rural vale-se do seu poder político para censurar livros didáticos e conteúdos escolares que criticam os impactos socioambientais de sua atuação (Lamosa e Loureiro, 2014; Nascimento e Almeida, 2021; Nannini e Marcusso, 2024).
Tendo esse cenário em vista, a partir dos fundamentos da teoria de Leontiev (2004), um dos principais proponentes da psicologia histórico-cultural, este trabalho investiga a relação entre as ingerências do agronegócio na educação escolar e a construção da consciência no capitalismo contemporâneo, evidenciando que a ofensiva ideológica das oligarquias rurais nas instituições de ensino naturaliza as relações sociais de produção capitalista que desencadearam o colapso climático em curso.
O agronegócio como vetor da crise climática
A análise dos conflitos contemporâneos no campo engendrados pela expansão do agronegócio evidencia a conformação de ofensivas extrativistas que operam tanto pela via da legalização de crimes socioambientais quanto pelo uso sistemático da violência, ameaçando a existência de comunidades e ecossistemas. De acordo com Aguiar e Torres (2023), ainda que o discurso oficial exalte a modernização tecnológica do setor, a dominação territorial do agro tem como fundamento a apropriação ilegal de terras públicas, impulsionada pela grilagem e pelo desmatamento. O estudo denuncia programas de regularização fundiária, tais como o Terra Legal, os quais facilitaram a legalização de grandes latifúndios formados por meio da apropriação ilícita de terras públicas. Nesse processo, o desmatamento é tratado como indício de ocupação anterior, permitindo que práticas ilegais sejam posteriormente anistiadas. A perversidade do sistema é ilustrada por situações nas quais o próprio ato de infração emitido por órgãos ambientais é utilizado para comprovar a posse da terra (Aguiar e Torres, 2023).
Serafim (2021) demonstra que, associado à institucionalização da grilagem, o uso do fogo se destaca como uma das ferramentas mais brutais de apropriação territorial, a qual opera de duas maneiras principais. Por meio dos incêndios florestais, provocados à distância, de forma anônima, para consolidar a invasão das terras e desmantelar a resistência dos povos do campo. Esses incêndios destroem os territórios comunitários, com impactos ambientais que perduram por anos. Há, também, o uso direto do fogo como arma de intimidação, em que milícias privadas invadem territórios indígenas e tradicionais, incendiando casas, roçados, lugares sagrados e pertences para expulsar comunidades inteiras (Serafim, 2021).
No cerne da expansão do agronegócio brasileiro, além da grilagem de terras, do desmatamento e dos incêndios florestais, insere-se a crescente disputa pela água. Silva e Leão (2021) apontam que a intensificação do neoextrativismo ao longo da segunda década do século XXI aprofundou essa disputa, sobretudo em áreas onde grandes empreendimentos agrícolas, mineradores e energéticos avançam sobre territórios tradicionais. De acordo com o estudo, os recursos hídricos são capturados como insumos vitais da agroindústria, para a geração de energia, para o escoamento de commodities, além de se tornarem depósito de rejeitos e poluentes. O que se verifica é uma lógica de escassez fabricada por meio do controle de áreas hídricas pelas elites rurais e suas corporações predatórias (Silva e Leão, 2021).
Ainda de acordo com o autor e a autora, o uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes, o assoreamento dos rios e os desastres associados à mineração explicitam a devastação socioambiental provocada pelo latifúndio agroexportador. A população local é impactada pela construção de barragens, pela privatização de nascentes, pela contaminação dos rios e pela despossessão de comunidades ribeirinhas (Silva e Leão, 2021). Por conseguinte, a ofensiva extrativista do agro implica perdas irreversíveis de biodiversidade, viola os direitos coletivos em prol das práticas privatista e expõe a incompatibilidade entre o modo de produção capitalista e a preservação da vida no planeta.
O agronegócio como dispositivo ideológico nas escolas
A presença do agronegócio nas escolas não ocorre de forma desinteressada, mas como parte de um empreendimento ideológico que visa universalizar o modelo agroexportador. Um dos marcos históricos desse processo é a criação, em 1995, do Programa Agrinho, coordenado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), entidade mantida pelo patronato rural e vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Segundo Nascimento e Almeida (2021), o Agrinho se apresenta como um programa educativo voltado para temas como ética, saúde, meio ambiente e cidadania, mas opera, de fato, como instrumento de propaganda ideológica do agronegócio. Seus materiais didáticos difundem uma representação idealizada da agricultura empresarial. Exaltam a suposta eficiência, a produtividade e a sustentabilidade do setor ocultando seus crimes socioambientais associados ao uso intensivo de agrotóxicos, à usurpação de terras públicas, à degradação ambiental e à violência no campo.
Paralelamente, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) implementou, em 2001, o projeto Agronegócio na Escola, no polo de Ribeirão Preto (SP), com o objetivo declarado de difundir os “conceitos fundamentais do agro” entre estudantes e docentes (Hugo Junqueira e Santos Bezerra, 2018). O programa envolve concursos, palestras e materiais didáticos como a cartilha “Agronegócio: sua vida depende dele”, em que o latifúndio monocultor é apresentado como pilar da sociedade brasileira. Além disso, oferece premiações que estimulam a participação de estudantes e docentes, de forma a reforçar valores de competitividade e meritocracia em conformidade com a lógica de mercado.
A partir de 2020, o grupo “Mães do Agro” ganhou notoriedade ao lançar a campanha “De olho no material escolar” (Donme), incentivando a vigilância das aulas e livros didáticos por parte das famílias, sob a alegação de que haveria “viés ideológico” contrário ao agronegócio, o que configurou um ataque direto à autonomia docente. A Donme tem articulado diversas frentes que atuam de maneira coordenada na produção de dossiês críticos sobre livros didáticos, na mobilização de uma frente nacional para pressionar o Ministério da Educação a rever as orientações curriculares, e na criação de materiais didáticos próprios de modo a influenciar o mercado editorial (Nannini e Marcusso, 2024).
Complementarmente, promove a aproximação entre a escola e o agronegócio por meio da realização de palestras em instituições de ensino e visitas a propriedades rurais, articuladas com a criação de uma biblioteca virtual especializada na formação docente sobre o setor (Nannini e Marcusso, 2024). Essas iniciativas operam como um bloco hegemônico articulado para intervir na escola pública e formar novas gerações alinhadas aos interesses da lógica capitalista.
A formação histórica da consciência e o papel da educação escolar
A teoria de Leontiev (2004) sobre a formação histórica da consciência traz contribuições centrais para a compreensão da educação escolar como espaço de disputa ideológica na sociedade capitalista. Segundo o psicólogo soviético, a consciência humana é construída em unidade com a atividade, conformando-se pela internalização das significações linguísticas, as quais cristalizam as práticas sociais determinadas por um modo histórico de produzir a vida material. No modo de produção capitalista, o sistema de significados dominante é constituído pelas práticas sociais burguesas, e, portanto, representa a realidade de acordo com seus interesses de classe.
Assim, a escola, enquanto espaço de socialização dos saberes sistematizados que irão mediar a relação do corpo discente com a realidade, exerce papel fundamental na conformação das consciências. Quando subjugada aos ditames das elites, submete-se ao papel de veículo da ideologia dominante, que representa a propriedade privada da terra e a destruição socioambiental como expressão do progresso civilizatório, dificultando a compreensão crítica das relações sociais de produção que condicionam a existência dos alunos e das alunas.
A presente análise demonstrou que programas como o Agrinho, o Agronegócio na Escola e a campanha Donme difundem uma imagem idealizada do agronegócio, operando como instrumentos de controle sobre o campo educacional e esvaziando o potencial transformador da educação. Ao apresentar as práticas do latifúndio monocultor como expressão de avanço tecnológico e sustentabilidade, essa ofensiva ideológica acentua a oposição entre os significados sociais e os sentidos conformados na experiência prática dos sujeitos, comprometendo a organização coletiva voltada para a construção de alternativas societárias que superem a lógica predatória do capitalismo.
2. Considerações finais
A atuação do agronegócio na educação escolar brasileira constitui uma estratégia ideológica central para a perpetuação do modo de produção capitalista. Ao intervir diretamente na formulação de políticas públicas, na produção de materiais didáticos e na definição dos conteúdos escolares, o patronato rural busca moldar as consciências de modo a legitimar a expansão predatória do latifúndio agroexportador e garantir sua hegemonia de classe.
Diante disso, reafirma-se a urgência de processos educativos que rompam com as distorções da realidade impostas pela ideologia burguesa e promovam a consciência da indissociabilidade entre o modo de produção capitalista e a crise climática. A luta coletiva por um projeto de sociedade que transcenda a destrutividade do capital demanda o acesso a significados sociais que expressem as determinações históricas desta sociabilidade e sua necessária superação.
3. Referências
AGUIAR, Diana; TORRES, Mauricio. A boiada está passando: desmatar para grilar. In: CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO CERRADO; COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Agro é fogo: um dossiê sobre grilagem, desmatamento e incêndios na Amazônia, Cerrado e Pantanal. Goiânia: CPT, 2023. p. 9–21. Disponível em: https://agroefogo.org.br/dossie/. Acesso em: 15 abr. 2025.
HUGO JUNQUEIRA, Victor; DOS SANTOS BEZERRA, Maria Cristina. A ideologia do agronegócio na educação básica. Perspectiva, [S. l.], v. 36, n. 4, p. 1378–1397, 2018.
LAMOSA, Rodrigo de Azevedo Cruz; LOUREIRO, Carlos Frederico B. Agronegócio e
educação ambiental: uma análise crítica. Revista Ensaio, Rio de Janeiro, v.22, n.
83, p. 533-554, abr./jun. 2014
LEONTIEV, Alexei N. Atividade, Consciência, Personalidade. São Paulo: Expressão Popular, (2014).
MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2017a.
NANNINI, Warllen Torres; MARCUSSO, Marcus Fernandes. “De olho no material escolar”: o agro quer ser pop nas escolas combinando força e consenso. Pegada: A Revista da Geografia do Trabalho, Presidente Prudente, v. 25, n. 1, p. 319-350, ago. (2024).
NASCIMENTO, Érica Nayara Santana do; ALMEIDA, Rosemeire Aparecida de. A mercantilização da educação pública nos moldes do capital: agronegócio na escola. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Três Lagoas, v. 1, n. 34, (2021).
SERAFIM, Gustavo. Armas na disputa por controle territorial: os usos capitalistas do fogo contra os povos do campo. Agro é Fogo, (2021). Disponível em: https://agroefogo.org.br/dossie/armas-na-disputa-por-controle-territorial-os-usos-capitalistas-do-fogo-contra-os-povos-do-campo/. Acesso em: 15 abr. 2025.
SILVA, Bruno Milanez da; LEÃO, Rosa Maria. A apropriação da água e a violência do setor mineral no contexto do neoextrativismo brasileiro. In: Centro de Documentação Dom Tomás Balduino – CPT. Conflitos no campo: Brasil 2020. Goiânia: CPT, (2021).
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