Descrição
Abstract. The Teaching Internship enabled critical reflection on the professor’s role in Higher Education. Interviews with students and the literature indicate a lack of formative intentionality, often reduced to assistance functions. It emphasized the importance of mobilizing knowledge for a critical teaching practice. Observing a university professor revealed challenges and the search for autonomy, evidencing the articulation of knowledge in everyday teaching. In the conducted practice, democratic school management was addressed dialogically, as a key formative moment. It is concluded that, when organized critically, the Teaching Internship contributes to emancipatory education.
Keywords: Teaching Practicum, Teacher Identity, Autonomy
Resumo. O Estágio Docência possibilitou reflexão crítica sobre o papel do professor no Ensino Superior. Entrevistas com discentes e a literatura da área apontam a falta de intencionalidade formativa, muitas vezes restrita a funções assistenciais. Destaca-se a importância da mobilização de saberes para uma prática docente crítica. Acompanhou-se uma professora universitária, cuja atuação revelou desafios e busca por autonomia. Essa experiência evidenciou a articulação de saberes no cotidiano docente. Na regência realizada, trabalhou-se a gestão democrática escolar de forma dialógica, configurando importante momento formativo. Conclui-se que o Estágio Docência, organizado de modo crítico, contribui para uma educação emancipadora.
Palavras-chave: Estágio Docência, professoralidade, autonomia.
1. Introdução
A disciplina de Estágio Docência, do Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Ambiental (PPGECA), em discussões teóricas e o acompanhamento prático de uma professora do Ensino Superior, nos propiciou uma reflexão crítica sobre a prática docente. Como destacado por Freire (1996) a docência só é possível com a discência, e é, portanto, nessas relações que se constitui o papel docente, que se tornou nosso objeto de estudo no campo de estágio. O trabalho docente depende da autonomia dos professores, que só é possível quando o professor consegue participar das decisões e discuti-las coletivamente com seus pares (Contreras, 2012). Percebemos então que não é necessário apenas fazer, é necessário também pensar sobre o fazer, para de fato exercer o papel de um educador crítico e que pense certo, no sentido de se ter uma rigorosidade metodológica para tal (Freire, 1996). Isso nos faz entender que o professor deve pautar suas ações em bases teóricas concretas num movimento constante de reflexão-ação. Houve um conjunto de observação-leitura-reflexão, ou seja, uma aproximação entre teoria e prática, que nos levou à construção de conhecimentos, que apesar de complexos, são necessários à consolidação do Estágio Docência com um campo de estudo.
2. Desenvolvimento
Inicialmente, nos primeiros encontros tivemos contato com outros discentes, de outros programas de pós-graduação da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Esse primeiro contato marcado por conversas e entrevistas com discentes de treze (13) dos trinta e nove (39) Programas de Pós-graduação da UFLA, alimentou nossas reflexões coletivas e embasados em pesquisas da área, discutimos como o Estágio Docência está estruturada nesses programas diversos da UFLA. Houve um apontamento significativo para vivências do Estágio Docência mais inclinadas para questões de assistencialismo do professor, assim como discentes que passam a assumir funções de técnicos de laboratório. O que foi possível perceber também, através das entrevistas, é que há pouco ou nenhum rigor e clareza nos objetivos dessa disciplina, cabendo ao orientador docente, a decisão de como serão desenvolvidas as atividades ao longo do período, frequentemente com profundidade na área científica em que se dá, mas tal rigor não se aplica ao respaldo teórico pedagógico.
Maria Isabel da Cunha (2012) nos permite aprofundar nessa discussão, uma vez que ela destaca elementos teóricos tanto à estruturação à atividade de Estágio Docência no Brasil quanto à preocupação da formação docente para o Ensino Superior. Ela destaca, por exemplo, o fato de os cursos de pós-graduação não terem muitas disciplinas da área pedagógica, ou seja, o sujeito, nos cursos de mestrado e doutorado, está se formando para atuar como docente no Ensino Superior, mas eles têm pouco ou nenhum estudo sobre as áreas da educação/pedagógicas. Para atuação docente no Ensino Superior é naturalizado que o sujeito tenha apenas os conhecimentos técnicos/científicos de determinada área, e isso se torne o suficiente para torná-lo professor, ou seja, basta apenas uma competência científica qualificada para sua atuação docente (Cunha, 2012). Porém, nos questionamos, em como o sujeito irá pautar sua prática docente? Por experiências positivas e/ou negativas que teve ao longo de sua jornada como estudante? Pelo senso comum? Mesmo que o sujeito tenha sido estudante por muitos anos de sua vida, isso não lhe torna professor, primeiro pela falta dos estudos pedagógicos, pela falta de desenvolvimento de saberes docentes, e pela falta de reflexão do processo profissionalizante do professor.
Cunha (2012) ainda destaca que mesmo se tornando obrigatória a atividade de Estágio Docência nos programas de mestrado e doutorado, as pesquisas têm mostrado uma recorrente fragilidade em sua constituição e desenvolvimento, colocando em cheque a sua contribuição para os fins que foi criada: aprimoramento da formação e prática docente. Com isso, o que Cunha (2012) discute em seu trabalho, é justamente o que notamos na entrevista realizada com os discentes da pós-graduação: alunos que secretariam o professor nas funções burocráticas, ministração de aulas em forma de palestra, sem claros critérios de planejamento didático e avaliação e ainda atendentes de alunos com dificuldades específicas.
Ela denuncia, portanto, as dificuldades para o Estágio Docência e do Formação Docente no Ensino Superior se consolidarem como áreas de estudos. As mudanças no contexto social alteram a forma que é visto e entendido o papel do professor. Com isso, Cunha (2018), nos leva a refletir sobre as questões acerca da professoralidade, que apresenta suas dimensões, tanto individuais e subjetivas, quanto coletivas e culturais. Freire (1996) discute a importância do papel do educador em formar sujeitos críticos, e isso só é possível através de uma luta por uma educação que promova autonomia e emancipação dos sujeitos, diferente da educação bancária, que se baseia em transferência de conhecimentos e na mecanicidade de memorização e reprodução do conhecimento adquirido. Mas os mestrados e doutorados, tendo como principal foco apenas o conhecimento técnico/científico, dificilmente formará docentes com essa criticidade e que não reproduzam o modelo de educação bancária.
Portanto, para exercer a função docente, o professor precisa compreender teoricamente suas ações e as consequências das mesmas, e reforçar a sua professoralidade através de saberes docentes, sendo eles: “saberes disciplinares, culturais, afetivos, éticos, metodológicos, psicológicos, sociológicos e políticos” (Cunha, 2018, p.10).
Em minhas observações práticas do Estágio Docência, percebi uma evolução do “meu olhar” sobre as ações da professora que eu acompanhei. Em um primeiro momento, notei o uso de metodologias mais ativas durante a aula, como por exemplo, todas as aulas eram feitas em roda de conversa e de maneira dialógica. Após a leitura dos textos de Cunha (2018), pude perceber a mobilização de saberes pedagógicos durante as aulas que eu acompanhei, também pudemos discutir estas observações coletivamente nos encontros do Estágio Docência. Vale ressaltar que a disciplina que acompanhei foi “Estágio Supervisionado IV” para a turma de licenciandos em Ciências Biológicas, portanto, houve discussões sobre o papel do professor na educação básica. A proposta central da disciplina era correlacionar a prática dos futuros professores com um diálogo com o Museu de História Natural da UFLA. Com isso, além da leitura de textos teóricos, os alunos discutiram sobre o papel pedagógico do Museu.
As aulas sempre ocorriam de maneira dialógica e com muita participação dos alunos nas discussões dos temas. Em uma das aulas, a professora levou para a discussão um poema de Carlos Drummond de Andrade, “A Montanha Pulverizada”, onde na discussão pude notar uma mobilização de saberes políticos, sociológicos e culturais. A professora ainda destaca, tanto nesta, como nas demais aulas, a importância dos alunos se tornarem professores críticos, que trabalhem em suas aulas problematizações que dialoguem com as áreas científicas, tecnológicas, sociais e ambientais, própria da abordagem CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), cunhada por Dermeval Saviani e outros parceiros(as) pesquisadores(as), nos traz reflexões sobre o compromisso ético, político, social do docente (SANTOS, 2018), buscando o enfrentamento e superação de uma sociedade que é dividida em classes e que há um domínio da burguesia sobre o proletariado. A PHC tem como fundamento metodológico o materialismo histórico-dialético e se torna um instrumento de luta a favor do proletariado (SANTOS, 2018).
A professora que acompanhei apresentava de forma explícita esse compromisso social, ético, econômico que é citado na pedagogia histórico crítica e propunha aos alunos essas reflexões nas suas práticas enquanto futuros professores. Em vários momentos isso ficou claro, pois em um dos trabalhos da disciplina, a professora levou diversos materiais/ embalagens recicláveis, sendo elas: garrafa pet, garrafa de vidro, caixas de remédio, folhas de papel, latas de alumínio, alumínio de marmitex, caixas de leite, pente de ovo de papelão, dentre outros e a proposta do trabalho era que os alunos desenvolvessem a partir desses materiais, uma arte e um novo material para serem expostos no museu, e de preferência com a aula que iriam ministrar em seus respectivos estágios. A professora reforçou a importância do trabalho de cada um trazer problemáticas para serem discutidas, em suas múltiplas dimensões, sejam elas sociais, econômicas, políticas, ambientais ou outras relacionadas. Destacou-se, portanto, o compromisso pedagógico da professora com essas questões. Quando os alunos iniciaram suas apresentações dos trabalhos desenvolvidos, a professora os auxiliou a correlacionar os temas com as problemáticas citadas, mostrando novamente uma mobilização de saberes políticos, sociais, econômicos e culturais. Essas discussões ocorreram em três (3) aulas, então foi sendo construído essa visão do compromisso docente apresentado pela professora.
Realizamos com a professora, uma entrevista, como parte das atividades propostas pelo Estágio Docência. Ela reconhece a sua prática docente pautada na perspectiva marxista, que se sustenta em saberes histórico-dialéticos, análise de classe, compromisso com a formação crítica e com a emancipação. Ela destacou ainda que reconhece a mudança social como possível e necessária, o que justifica seus compromissos em sala de aula, tanto em mobilizar esses saberes, quanto em formar alunos com pensamento crítico e que se organizem coletivamente. Durante a entrevista a professora ainda citou que se baseia teoricamente nas teorias de Karl Marx, na teoria crítica da escola de Frankfurt e na Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). A entrevista demonstrou a reflexão crítica da professora com sua prática docente.
Ao tratar das dificuldades encontradas na prática docente, a professora destacou várias, sendo uma delas lidar com a burocracia da Universidade, bem como o excesso e precarização do trabalho do professor, falta de apoio por parte da Universidade e de órgãos governamentais e os empecilhos para desenvolver o trabalho de forma mais coletiva e ter esses espaços de discussão coletiva com outros professores da área e até mesmo de outras áreas do conhecimento. Os apontamentos feitos pela professora, em parte, são devido à proletarização dos professores, algo que é discutido no livro de Contreras (2012), e conduz os professores à perda de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, a perda de autonomia. A burocratização excessiva e a desumanização do trabalho são reflexos do autoritarismo e da fragmentação das ações docentes, ou seja, tentam forçar uma separação entre concepção e execução, mesmo diante da impossibilidade de separá-las radicalmente (Contreras, 2012).
A professora traz em seus relatos a falta de tempo para se dedicar mais a estudos e para desenvolver um trabalho coletivo com os colegas, além das dificuldades devido às diferenças teórico-metodológicas com professores que não tenham uma visão crítica da ciência e da educação. Contreras (2012) nos faz refletir acerca de professores que participam e apoiam políticas reformistas, é o que ele denomina como proletarização ideológica, pois a ideologia nos faz crer que o excesso de funções docentes e burocracias reforçam o profissionalismo do professor e lhe dão autonomia, enquanto o que está acontecendo é justamente o inverso, o professor está passando por um processo de alienação do seu trabalho, com perda de seus valores ou do sentido de suas pretensões. Contreras (2012) ainda discute que a proletarização do trabalho docente é diferente do trabalhador nas fábricas, pois para o professor não houve perda de suas habilidades técnicas, mas sim a perda da capacidade de entender e compreender o processo como um todo, a perda da capacidade de participar das decisões de suas ações, com regulação e controle vindos de forma hierárquica. O professor tende a ficar cada vez mais dependente da gestão administrativa, limitando então o trabalho docente ao desempenho de funções rotineiras e sem sentido (Contreras, 2012).
Mesmo diante das dificuldades encontradas, em minhas observações no campo prático, pude perceber uma luta diária da professora para assumir os seus compromissos éticos e morais com a educação. Contreras (2012) ainda destaca justamente, que o ensino supõe uma série de compromissos por parte do docente, o compromisso moral, o com a comunidade e o social, com a ética, e com a competência profissional, porém o professor só é capaz de assumir esses compromissos quando ele tem autonomia, e participa democraticamente das decisões. Por isso, essa participação democrática é de extrema relevância, e vai de encontro com o tema da minha regência. A superação das dificuldades docentes no Ensino Superior perpassa a necessidade de legitimação da pedagogia universitária, principalmente pensando na formação desses profissionais (Cunha,2018). A dedicação a tarefas educativas traz consigo uma série de exigências e só é possível atendê-las quando o professor consegue decidir de modo responsável sobre os processos educativos (Contreras,2012).
A minha regência ocorreu mais ao final do período, o que foi importante, pois eu já havia passado por todo esse processo reflexivo. Foi uma regência compartilhada com as demais colegas que também acompanhavam a disciplina como discentes da pós-graduação. O tema foi escolhido pela professora, mas a escolha demonstrou mais uma vez o compromisso dela com a educação crítica e emancipadora, pois como ela mesmo afirmou em entrevista: “É preciso desenvolver uma compreensão crítica da própria posição social e incentivar a organização coletiva de classe se contrapondo ao individualismo, uma vez que a realidade deve ser compreendida em sua totalidade histórica e dinâmica”. O tema foi sobre as 3 instâncias democráticas da escola, sendo elas: Conselho de Escola, Grêmio Estudantil e Associação de Pais e Mestres. O planejamento da aula foi feito em conjunto com a professora e as demais colegas. A gestão democrática na escola é algo indispensável para contribuir com uma formação democrática, com alunos mais reflexivos e críticos. Antunes (2016) destaca que para haver uma escola participativa e democrática é necessário a diminuição da fragmentação da divisão do trabalho, que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão, bem como a eliminação das relações competitivas, corporativas e autoritárias na escola. Para iniciar a regência, recitamos um poema de Thiago de Mello “Para os que virão”, dialogando com o tema da aula. Perguntamos para os alunos o que eles entendem do diálogo que o poema traz com o tema da aula. Levamos um mapa mental para discutir com os alunos cada uma das instâncias: Conselho de Escola, Grêmio Estudantil e Associação de Pais e Mestres. Durante a apresentação, surgiram dúvidas que foram sendo esclarecidas e relatos dos alunos, sejam relatos de seus tempos de estudantes na educação básica e até mesmo relatos de observação no campo de estágio. Buscamos desenvolver a aula também de maneira dialógica e promovendo reflexões críticas acerca do tema. Ao final, propusemos uma situação-problema em que uma instância poderia discutir e resolver de forma coletiva, como instrumento para compreender os aprendizados dos alunos. A turma toda representou um Grêmio estudantil, e em conjunto discutiram soluções para a situação-problema que envolvia insatisfação dos alunos com a qualidade da alimentação escolar.
A minha regência foi algo muito formativo, pois eu precisei pensar criticamente sobre o tema, desenvolver uma metodologia problematizadora para os alunos, negociar com minhas parceiras de aula, mobilizar alguns saberes políticos e sociais e ainda, compartilhar e debater com o grupo de estagiários docentes em nosso encontro semanal. Consegui “me ver” na posição de docente e enfrentar algumas das dificuldades e responsabilidades que esse papel nos traz. Uma aula dialógica e com construção conjunta do conhecimento foram minhas preocupações e compromisso para a regência.
3. Conclusão
O Estágio Docência cumpriu seu papel formativo ao promover reflexões sobre a prática docente por meio de entrevistas, discussões e acompanhamento de uma professora universitária. Nessa experiência, foi possível observar a mobilização de diferentes saberes docentes e compreender os fundamentos teóricos que orientavam sua atuação. Na regência realizada, consolidou-se um espaço adequado para exercer a função docente de forma consciente. Os espaços coletivos reforçam a necessidade de uma educação pautada em dimensões sociais, políticas, econômicas, culturais, ambientais e éticas. Assim, a docência no Ensino Superior configura-se como um processo em permanente transformação, indissociável da intelectualidade crítica, da reflexão sobre a prática e da construção coletiva de saberes.
4. Referências
Antunes, A. (2016) “O conselho de escola, A Associação de Pais e Mestres e o Grêmio estudantil como espaços de exercício de cidadania participativa”, Rev. Parlamento e Sociedade, São Paulo, v.6,n.4, p.93-122.
Contreras, J. (2012) “A autonomia de professores” Tradução de João Wanderley Geraldi. Campinas, São Paulo, 2 ed, Cortez.
Cunha, M. I. (2012) “Docência no Ensino Superior: perguntas necessárias ao campo da pós-graduação” XVI Endipe – Encontro Nacional de didática e Práticas de Ensino, Campinas, São Paulo, p 295-303.
Cunha, M. I. (2018) “Docência na educação superior: a professoralidade em construção”. Educação, Porto Alegre-RS, v.41, p. 6-11.
Freire, P. (1996) “Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa” 25 ed, São Paulo, Paz e Terra, S/A.
Santos, R. E. O. (2018) “Pedagogia histórico-crítica: que pedagogia é essa?” Horizontes, São Paulo, v.36, n.2, p.45-56.
| Selecione a modalidade do seu trabalho | Resumo Expandido |
|---|