10 – 14 de nov. de 2025
UFLA
Fuso horário America/Sao_Paulo

Entre Ciência e Saberes Tradicionais: Um Encontro de Cosmologias na Análise do Poema “Cântico VI” de João de Jesus Paes Loureiro.

12 de nov. de 2025 13:30
1h 30m
Centro de Eventos (UFLA)

Centro de Eventos

UFLA

Avenida Norte - Lavrinhas, Lavras - MG, 37200-900
Resumo Expandido Educação Científica e Ambiental 3º Dia

Descrição

Entre Ciência e Saberes Tradicionais: Um Encontro de Cosmologias na Análise do Poema “Cântico VI” de João de Jesus Paes Loureiro.
Larissa Souza Nascimento1, Tiago Serpa Barbosa Chaves², Laise Vieira Gonçalves³, Antonio Fernandes Nascimento Junior4
1Mestranda, Departamento de Biologia/DBI - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental/PPGECA – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 CEP 37203-202 – Lavras, MG – Brasil
2Mestrando, Departamento de Biologia/DBI - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental/PPGECA – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 CEP 37203-202 – Lavras, MG – Brasil
³Professora, Departamento de Biologia/DBI - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental/PPGECA – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 CEP 37203-202 – Lavras, MG – Brasil
4Professor Departamento de Biologia/DBI - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental/PPGECA – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 CEP 37203-202 – Lavras, MG – Brasil

larissa.nascimento7@ufla.br, sevack@gmail.com, laiseribeiro@ufla.br, antoniojunior@ufla.br

Abstract. This study analyzes the poem "Cântico VI" by João de Jesus Paes Loureiro, published in 1978 in the book Porantim – Poemas Amazônicos, considering it as a space for articulation between art, science, and traditional knowledge. The research adopts a qualitative approach organized into thematic axes: scientific, cultural, and mythological. The study of "Cântico VI" offers fertile ground for interdisciplinary pedagogical practices, fostering the development of critical thinking, sensitivity, and reflection on nature, culture, and knowledge, contributing to the formation of critical individuals who are aware of socio-environmental realities.
Keywords: Interdisciplinarity, science, education.

Resumo. O presente estudo analisa o poema “Cântico VI”, de João de Jesus Paes Loureiro, publicado em 1978 na obra Porantim – Poemas Amazônicos, considerando-o como espaço de articulação entre arte, ciência e saberes tradicionais. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa que se organiza em eixos temáticos: científico, cultural e mitológico. O estudo de “Cântico VI” oferece um terreno fértil para práticas pedagógicas interdisciplinares, favorecendo o desenvolvimento do pensamento crítico, da sensibilidade e da reflexão sobre a natureza, a cultura e o conhecimento, contribuindo para a formação de sujeitos críticos e conscientes da realidade socioambiental.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade, ciência, educação.

  1. Introdução
    Entre estrofes, versos e rimas estrutura-se um poema. No entanto, para além de sua dimensão técnico-estrutural, o poema constitui-se como um texto literário que expressa sentimentos e ideias de seu autor, convidando o leitor a mergulhar em tais questões. A poesia, enquanto expressão artística, tem grande potencial para o desenvolvimento da imaginação, da sensibilidade e da criatividade. Nessa perspectiva, compreende-se que “a poesia é o veículo capaz de encontrar a capacidade do imaginário de seu leitor, a capacidade de pensar numa perspectiva que foge da realidade ao mesmo tempo em que a representa” (Monteiro et al., 2020).
    No ambiente escolar, o uso do poema assume papel fundamental, pois nesse espaço busca-se promover o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo dos estudantes diante do mundo. Segundo Cachapuz (2014), é fundamental desenvolver uma abordagem interdisciplinar que promova o diálogo entre diferentes áreas do saber, de modo a relacionar o conhecimento científico à dimensão humana. Nessa perspectiva, o trabalho com a interdisciplinaridade favorece a aproximação dos estudantes com o contexto em que o conhecimento é produzido, permitindo compreender sua relevância, origem e potencial formativo.
    O poema “Cântico VI” foi publicado em 1978 na obra Porantim – Poemas Amazônicos, de João de Jesus Paes Loureiro, e apresenta uma esfera poética que retrata a Amazônia com seus mitos, povos, culturas e encantarias, articulando tais elementos a dimensões universais.
    O poema integra um conjunto de produções poéticas que têm como foco a representação simbólica e cultural da Amazônia. A obra de Paes Loureiro é marcada pela tentativa de traduzir poeticamente o imaginário amazônico, aproximando elementos da natureza, da cultura e da narrativa mítica, de modo a revelar a cosmovisão própria dos povos da região. Em “Cântico VI”, essa intenção manifesta-se por meio da presença do rio como personagem central e símbolo da própria essência amazônica.
    No poema, o rio não é apenas um elemento natural, mas um ser vivo dotado de memória, voz e sabedoria. Ele representa a continuidade da vida, o movimento incessante e o tempo que corre, configurando-se como uma entidade espiritual que sustenta o modo de existir das populações ribeirinhas. Ao tratar o rio como sujeito poético, Paes Loureiro rompe com a separação tradicional entre natureza e ser humano, propondo uma visão de mundo em que ambos se integram e coexistem em reciprocidade. Dessa forma, “Cântico VI” ultrapassa a mera descrição da paisagem e se converte em um canto de afirmação identitária. O rio, enquanto imagem poética, condensa múltiplos sentidos: é território, é corpo, é tempo, é voz coletiva. Através dele, o autor celebra a Amazônia como um espaço de encantamento, resistência e sabedoria tradicional.
    O presente trabalho tem como objetivo analisar o poema “Cântico VI” considerando-o como uma um território fértil para o diálogo entre educação e arte, saberes tradicionais e ciência. Rompendo assim com o modelo tradicional de aulas exclusivamente expositivas, cultivando a proposta interdisciplinar de ensino. Esse movimento é muito importante para se compreender o mundo de forma integrada, superando as áreas do saber como diz muito bem Cachapuz (2014). Entender o mundo não seccionado é o primeiro passo para ousar sonhar transformá-lo.
    Dentro da pedagogia tradicional (Saviani, 2008), não haveria espaços para tais possibilidades de reflexão, uma vez que a pedagogia tradicional não considera os conhecimentos prévios dos alunos, não estimula a reflexão sobre os assuntos, se limitando às questões conceituais e pragmáticas em seu processo formativo. Logo, essa prática é não só importante como necessária para a transformação da educação brasileira e para a formação de sujeitos críticos e reflexivos.

  2. Metodologia
    A presente pesquisa adota uma abordagem qualitativa, na qual busca-se compreender os significados simbólicos, culturais e sociais presentes no poema “Cântico VI”, de João de Jesus Paes Loureiro. Conforme propõe Minayo (2010), a pesquisa qualitativa é aquela que se volta para o universo dos significados, valores e atitudes, privilegiando a compreensão da realidade em sua complexidade e subjetividade.
    O método de análise utilizado é a Análise de Conteúdo, conforme delineado por Bardin (1977), que permite a interpretação sistemática das mensagens, articulando o conteúdo manifesto e o conteúdo latente do texto poético. Essa metodologia possibilita a identificação de núcleos de sentido que revelam as dimensões simbólicas e temáticas presentes na obra.
    A análise foi organizada em torno de três eixos temáticos: científico, cultural e mitológico. Esses eixos foram definidos a partir da leitura aprofundada e da categorização das unidades de registro, conforme orienta Bardin. Dessa forma, a metodologia proposta permite compreender o poema não apenas como expressão estética, mas também como documento cultural, que revela concepções de natureza, território, ciência e mito em diálogo com o imaginário amazônico.

  3. O Poema
    CÂNTICO VI
    Quem comanda o rio ?
    O mito ?
    A lei ?
    A lenda ?
    Onde perdeu-se o mapa,
    o portulano ?
    Em que meridiano, norte ou sul,
    ou em que polo?
    Amazônia
    Amazônia
    Quem te ama ?
    Quantas vezes, no tempo, o rio encheu-se,
    e, quantas outras, vazou ?

O rio não tem consciência
de si mesmo,
no ermo de existir
que é ser corrente.
O rio-em-si não é nem bom, nem mau.
É rio.
E sendo rio
inunda e seca,
pois inundar e secar
é o ser do rio
e sua incons/ciência de si mesmo.
A notícia ovula-se poema,
e nem se quer
ou canto
ou melopéia.
Quer olhar e dar voz ao que se mostra,
mais que real aqui, agora e sempre...
Mas Tirésias atônito pergunta
aos pálidos pajés sobreviventes:
– “Se o rio nada sabe de si mesmo,
quem saberá do rio e de seus homens ?”
4. Análise
Eixo cientifico
A ciência não é explicitamente mencionada, mas se manifesta de maneira subjetiva e reflexiva, indicando que o autor reconhece e dialoga com duas cosmovisões complementares: a científica, baseada na observação e na sistematização da natureza, e a tradicional, enraizada nos saberes ancestrais e na relação simbólica com o ambiente.
O rio, personagem central do poema, serve como ponto de convergência dessas perspectivas. Por meio de sua descrição poética, o autor provoca interrogações sobre o funcionamento do mundo natural, estimulando o leitor a questionar e refletir sobre fenômenos ambientais, ciclos ecológicos e interações entre organismos. Ao mesmo tempo, a obra evidencia o conhecimento tradicional dos povos amazônicos, que interpretam o rio como ser vivo, orientador e possuidor de sabedoria própria.
Essa articulação entre ciência e tradição aparece de forma contínua ao longo do poema: a narrativa poética costura momentos de observação e contemplação do rio, sugerindo investigação e raciocínio científico, mas sempre integrada à percepção simbólica e cultural que caracteriza a cosmovisão amazônica. Nesse sentido, o autor demonstra que a ciência e o saber ancestral não são antagônicos, mas cosmologias diferentes, cada um oferecendo uma ontologia para compreender a realidade.
Portanto, o eixo científico no poema se configura como um espaço de dúvidas e perguntas a respeito do funcionamento da natureza. Mostra o rio em momentos como ser sem consciência que age como um rio deve agir, terminando com a seca. Uma abordagem que parte de dentro da ontologia científica, onde o rio deve agir dentro da sua condição de rio seguindo as leis naturais e a gravidade. Contudo, a literatura atua como mediadora da reflexão epistemológica. A obra oferece, assim, um ponto de partida para discutir o papel da ciência, não como única forma de conhecer, mas como parte de um conjunto mais amplo de experiências humanas, conectando racionalidade e tradição, análise e sensibilidade, observação e imaginação.
Eixo mitológico:
O poema destaca-se por sua intensa presença de elementos mitológicos, configurando um eixo central da obra de João de Jesus Paes Loureiro. Os mitos amazônicos organizam a experiência e a compreensão do ambiente dos povos que na floresta habitam. O rio, os seres aquáticos, as florestas e os fenômenos naturais têm dimensões simbólicas e espirituais, participando da vida das populações como parte irremovível delas.
Além disso, o poema dialoga com tradições mitológicas universais, como a figura de Tirésias (o vidente da mitologia grega), inserida na narrativa como uma metáfora do conhecimento e da visão profunda sobre o destino do rio e, por extensão, da própria humanidade. Essa fusão entre mito grego e mito amazônico revela a intenção de Loureiro de transcender fronteiras culturais e entrelaçar cosmologias dentro de um mesmo fenômeno, a observação do rio.
Paes Loureiro demonstra que dentro da ontologia amazonica os elementos da natureza não são objetos passivos, mas agentes de sabedoria e de narrativa. Esse imaginário integra a experiência cotidiana das comunidades ribeirinhas, para as quais os rios falam, orientam e registram a memória coletiva. A poesia, assim, transforma o mito em forma de compreensão do mundo, permitindo que o leitor perceba a realidade amazônica como um espaço em que o sagrado, o natural e o humano se são um só.
Além da mitologia amazônica, o autor estabelece diálogos com mitos universais, como a figura de Tirésias, o vidente da tradição grega. No poema, Tirésias surge como observador do rio, capaz de perceber seu futuro e sua dinâmica, aproximando-se do conhecimento tradicional das populações amazônicas, que também se orientam pela observação e interpretação das águas. Essa conexão evidencia que o mito não se limita à narrativa, mas atua como forma de conhecimento simbólico, permitindo compreender o tempo, o fluxo e a transformação da natureza, pois no mito o tempo é circular e o que já aconteceu vai voltar a acontecer. Todos os fenômenos têm explicação que residem dentro da narrativa.
A poesia se converte em instrumento de mediação e de reflexão sobre a vida, o ambiente e o próprio ser humano. Essa sobreposição de camadas, científica e mitológica, evidencia a riqueza interdisciplinar do poema e o seu potencial pedagógico, permitindo debates sobre natureza, conhecimento e simbolismo dentro do espaço acadêmico.
5. Considerações finais
Diante do exposto, conclui-se que o poema “Cântico VI”, de João de Jesus Paes Loureiro, constitui-se como uma proposta pedagógica de grande potencial, uma vez que permite a articulação de ontologias e conhecimentos diferentes.
Sob essa perspectiva, a interdisciplinaridade apresenta-se como um caminho metodológico fecundo dentro do espaço educacional. Ao integrar diferentes áreas do conhecimento, o trabalho com o poema favorece o interesse dos estudantes e contribui para uma aprendizagem crítica e reflexiva sobre a realidade amazônica e suas dimensões simbólicas, culturais e ambientais. Além de um debate a respeito das formas distintas de se enxergar a natureza e o mundo. Importante ressaltar que nenhuma se sobrepõe a outra, ambas navegam o rio conjuntamente, aparecendo aqui e ali demonstrando a formação do autor em ambas as ontologias.
Sua leitura convida à compreensão da arte como um diálogo entre cultura e ambiente e saberes. Assim, a obra se apresenta como um território possível para reflexões interdisciplinares, especialmente por seu potencial em aproximar os estudantes da ontologia amazônica. Favorecendo o desenvolvimento de um olhar crítico, poético e sensível sobre o mundo.

  1. Referências
    ALMEIDA, Paulo Nunes de. Língua portuguesa e ludicidade: ensinar brincando não é brincar de ensinar. 2007. 130 f. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.
    CACHAPUZ, Antônio. Arte e ciência no ensino das ciências. Interacções, v. 10, n. 31, 2014.
    FARIA, Álvaro Alves de. O rio como linguagem. Rascunho, São Paulo, ed. 31, nov. 2002.
    KNECHTEL, Carla Milene; BRANCALHÃO, Rose Meire Costa. Estratégias lúdicas no ensino de ciências. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2008.
    LOUREIRO, João de Jesus Paes. Porantim – Poemas Amazônicos. Obras Reunidas, v. I. São Paulo: Escrituras, 2000. p. 37–38.
    MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2001.
    MONTEIRO, A. J. et al. Poesia e educação: uma experiência na formação inicial de professores. Educação Contemporânea. Belo Horizonte: Poisson, v. 1, p. 81–89, 2020.
    RAMALHO, Christina Bielinski. A poesia é o mundo sendo: o poema na sala de aula. Revista da ANPOLL, [S. l.], v. 1, n. 36, p. 330–370, 2014.
    ROSA, Marllon Moreti de Souza; GOMES, Thaysa Tomaz de Aquino; NASCIMENTO JÚNIOR, Antonio Fernandes. Uma análise do poema “O novo homem” de Carlos Drummond de Andrade: contribuições para o ensino de ciências. Encontro Nacional de Jogos e Atividades Lúdicas no Ensino de Química, Física e Biologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, [202?]
    SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 42. ed. Campinas: Autores Associados, 2008.
    SILVA, André Maciel da; NASCIMENTO JÚNIOR, Antonio Fernandes. A utilização da música e da metodologia investigativa para o ensino dos impactos ambientais na vegetação. Periódico Eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista, [S. l.], v. 10, n. 6, 2014.
    SOUZA, Débora Elisa de; MONTEIRO, Julia Amorim; NASCIMENTO JÚNIOR, Antonio Fernandes. A folha de Drummond: poema como subsídio para discussões sobre ideias de natureza. Periódico Eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista, [S. l.], v. 17, n. 5, 2021
    TROMBETTA, Gerson Luís. As “visões” de Tirésias: arte, música e compreensão. Per Musi, Belo Horizonte, n. 35, p. 1–14, set./dez. 2016.
Selecione a modalidade do seu trabalho Resumo Expandido

Autores

Antonio Fernandes Nascimento Junior (UFLA) Laise Vieira Gonçalves Ribeiro (UFLA) Larissa Souza Nascimento (UFLA) Tiago Serpa Barbosa Chaves (Universidade Federal de Lavras - UFLA)

Materiais de apresentação

Ainda não há materiais