Descrição
Ciência e Religião como magistérios (in)dependentes: trajetória acadêmica de grupos estudantis religiosos na Universidade Federal de Lavras
Larissa Souza Nascimento1, Jennifer Caroline de Sousa2
1Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental/ICN – Universidade Federal de Lavras (UFLA) Caixa Postal 3037 CEP 37200-000 – Lavras, MG – Brasil
2 Departamento de Biologia/DBI – Universidade Federal de Lavras (UFLA) Caixa Postal 3037 CEP 37200-000 – Lavras, MG – Brasil
larissa.nascimento7@estudante@ufla.br, jennifer.sousa@ufla.br
Abstract. The objective of this Master's research is to explore religious groups of students at UFLA, aiming to understand the dynamics between science and religion in their educational process. The research will be qualitative and ethnographic, utilizing narrative interviews, observations of student meetings, and questionnaires. The results are expected to yield data that will allow us to assess the existence of a conflict between scientific and religious knowledge and practice in students' academic trajectories. It is anticipated that this discussion will contribute to elucidating the contemporary social context and highlighting the boundaries between institutional secularism and individual religious expression.
Keywords: Science, religion, Federal University of Lavras.
Resumo. O objetivo desta investigação de Mestrado é conhecer grupos religiosos de estudantes existentes na UFLA, com o intuito de compreender como se dá a dinâmica entre a ciência e a religião no processo formativo desses estudantes. A pesquisa será qualitativa de abordagem etnográfica, utilizando entrevistas do tipo narrativas, observações dos encontros realizados pelos estudantes e aplicação de questionários. Dentre os resultados, espera-se obter dados que permitam avaliar a existência ou não de um cenário conflituoso entre os saberes e os fazeres científico e religioso na trajetória acadêmica estudantil. Vislumbra-se que essa discussão contribuirá para a elucidar o contexto social contemporâneo, assim como indicará os limites entre a laicidade institucional e a expressão religiosa dos indivíduos.
Palavras-chave: Ciência, religião, Universidade Federal de Lavras.
- Introdução
Estudos sobre como ciência e religião se relacionam e se a segunda se constitui como obstáculo à aceitação de explicações cientificas têm sido desenvolvidos no campo da pesquisa em Educação [Oliveira, Bizzo e Pellegrini, 2017; Sepúlveda & El-Hani, 2004; Scheliga, Knoblauch e Bellotti, 2020].
Revisitando a história da humanidade, o período da Idade Média se caracterizou pelo estabelecimento do sistema feudal, que consistiu em um modelo socioeconômico e político em que a religião se fazia extremamente importante e presente na vida das pessoas, pois era a definidora na organização social.
Da transição da Idade Média ao advento da Modernidade a partir do século XVI, o embate entre ciência e fé se acirrou na medida em que o feudalismo era substituído pelo capitalismo, que, na sociedade moderna emergente, fortificava um novo tipo de compreensão sobre a vida, carregada de uma nova racionalidade. Fechava-se, assim, o cerco para uma mentalidade religiosa com a aposta na ciência, que era tida como capaz de fornecer respostas às necessidades práticas que as especulações dos filósofos medievais não poderiam prover, sendo, por isso, consideradas estéreis [Galuch, 2013].
Entretanto, em meio a essa realidade de aparente dicotomia situada no processo de transição dos períodos, a história registra que muitos cientistas modernos eram religiosos. Antes do secularismo se tornar norma no Ocidente, deus e religião estavam frequentemente imiscuídos na vida social, intelectual e, até mesmo, na vida política das pessoas. Todos ou quase todos os personagens presentes na Revolução Científica eram religiosos e devotos, como afirmam Gomes, Barroso e Paschoalino (2019), sugerindo cenários, a princípio, não necessariamente conflitantes entre a prática cientifica e a expressão religiosa. Mas também é sabido que a ruptura e a oposição entre os pensamentos cientifico e religioso tenham se intensificado a partir desse momento, a exemplo da briga entre Galileu Galilei (1564-1642) e a Igreja em face das diferenças de objetivos e das naturezas da ciência e da religião [Gomes, Barroso e Paschoalino, 2019].
Dessa forma, tem-se, então, que a ascensão da Modernidade na sociedade (europeia) abafou a religião da vida social, política, cultural e econômica e deu espaço à produção do saber científico, inaugurando a ciência e a religião como campos independentes. Isso se radicalizou com o passar do tempo até alcançar o século XVIII, momento que a disseminação do Iluminismo como movimento floresceu a crença absoluta no progresso da sociedade calcada no desenvolvimento cientifico, sem que houvesse a necessidade de conciliação com a fé [Galuch, 2013]. A entrada na Idade Contemporânea, principiada pelas profundas transformações que ocorreram na ciência a partir do final do século XIX, agudizou a crise entre ciência e filosofia [Évora, 1992], cujas manifestações se veem até hoje, por exemplo, com a permanência do apartamento entre ciência e religião.
O que se observa, portanto, é que, ao longo da história, ciência e religião coexistiram entre diálogo e conflitos. Com o crescimento da valorização da razão e do método científico, a religião passou a ser frequentemente vista como um entrave ao avanço do conhecimento.
No contexto atual, uma das formas de se enxergar essa possível oposição de saberes é analisar a relação diálogo-conflito da ciência e da religião no campo da educação formal, posto que esta se organizou com o advento da sociedade moderna e, portanto, historicamente associou-se à ideia de socialização de conhecimentos laicizados. Desse modo, nesta pesquisa educacional em andamento, o objeto de interesse se volta mais especificamente ao ensino superior, tendo como lócus de investigação a Universidade Federal de Lavras (UFLA), na qual é sabidamente conhecida a existência de dois grupos estudantis com profissões religiosas.
Dentre as perguntas iniciais e disparadoras desse estudo, a primeira está na esfera de compreender o espaço universitário, que pressupõe ser um espaço para a expansão do conhecimento científico, coexistindo com o conhecimento teológico e as práticas religiosas. Assim, derivam-se os seguintes questionamentos: de que forma estudantes religiosos vivenciam a relação entre suas crenças e o conhecimento científico no ambiente universitário da UFLA? Eles percebem essa convivência como conflituosa ou como possível de ser harmonizada? Essa convivência gera implicações relevantes para o desempenho acadêmico desses estudantes ao longo de sua jornada formativa dentro da universidade?
Assim, este trabalho tem como proposta investigar os grupos religiosos atuantes na UFLA, a fim de entender como seus integrantes vivenciam a relação entre fé e ciência em seu cotidiano acadêmico. A pesquisa terá caráter qualitativo, com base em uma abordagem etnográfica, utilizando como instrumentos entrevistas narrativas, observações de encontros religiosos e aplicação de questionários. A expectativa é identificar percepções e experiências que revelem tanto possíveis tensões quanto formas de conciliação entre esses dois magistérios ou campos. - Passos iniciais da pesquisa
Esta pesquisa tem como passo inicial a construção da fundamentação teórica que será necessária para a compreensão da relação entre religião e ciência no espaço da UFLA. Diante disso, foi estipulado um estudo bibliográfico com foco nas discussões que versam sobre as possíveis divergências e convergências entre os dois campos; as relações historicamente tecidas entre ciência e religião; e a emergência da disciplina de Ensino Religioso nas escolas públicas. Além disso, admitir-se-ão coletas em censos, em pesquisas acadêmicas, em notícias e o sobre contexto atual que evidenciem a realidade que cerca os dois campos no tempo presente, a fim de escrutinar as distinções entre o senso comum e as opiniões fundamentadas quando o tema é o grau de intransponibilidade entre ciência e religião nas práticas sociais.
Uma das principais referências teóricas utilizadas é o evolucionista estadunidense Stephen Jay Gould (1941-2002), que propõe o conceito de magistérios não interferentes ou não sobrepostos (“Non-Overlapping Magisteria”), para localizar a ciência e a religião como domínios diferentes, podendo coexistir sem sobreposição ou contradição direta; e também o historiador da ciência britânico John Hedley Brooke (1944-), que assume a perspectiva de que nem sempre as duas áreas estiveram em conflito direto.
De antemão, a pesquisa já contou com o levantamento inicial na Universidade Federal de Lavras dos grupos de cunho religioso que se fazem presentes nesse espaço. Houve uma pesquisa de redes sociais e sites e também observações informais com objetivo de conhecer os grupos existentes, seus modos de organização e suas atividades regulares dentro da universidade.
Em vista disso, é possível construir os instrumentos de coleta de dados que serão: roteiro de entrevistas de cunho narrativo, descrição das observações feitas nos encontros dos grupos e um questionário voltado para a compreensão dos participantes e suas visões sobre a ciência e religião. A pesquisa seguirá uma abordagem qualitativa e etnográfica, buscando captar os sentidos atribuídos pelos sujeitos à vivência religiosa em meio ao ambiente acadêmico. - Procedimentos metodológicos
Esta pesquisa investigará a constituição e a expressão de três grupos religiosos existentes na UFLA, a saber: Grupo de Oração Universitária (GOU); Aliança Bíblica do Brasil (ABU); DIÁLOGOS - Observatório da Diversidade Religiosa. Para tanto, assumirá tais organizações como um estudo de caso, que se desenvolverá a partir de (a) entrevistas do tipo narrativas [Mayring, 2002] com representantes/articuladores dos grupos, a fim de obter informações sobre a história e o desenvolvimento desses grupos; (b) observações dos encontros realizados pelos mesmos; (c) e aplicação de questionários semiestruturados com os membros participantes para avaliar como eles conjugam a visão de mundo científica, essa informada pela formação científica oferecida pela universidade, e a visão de mundo religiosa, essa construída e experimentada pelo grupo de cunho religioso do qual participam.
Esse corpus deverá ser submetido à Análise Textual Discursiva (ATD) [Moraes e Galiazzi, 2016], uma ferramenta analítica ancorada na abordagem fenomenológica que toma como princípio a busca da essência dos fenômenos. Assim, o movimento do pesquisador se dirige à compreensão das vivências das pessoas, dos dados da experiência, dos significados desta para os sujeitos, que, enquanto seres residentes na linguagem, compelem a pesquisa à investigação da manifestação oral e/ou escrita dos mesmos. - Passos futuros da pesquisa
Para o desenvolvimento deste estudo, após o mapeamento completo dos grupos religiosos existentes, será iniciado o processo de tramitação da pesquisa junto ao Comitê de Ética da Universidade Federal de Lavras, considerando que esta envolve interlocutores humanos. A partir disso, pretende-se iniciar o levantamento de dados em campo, a princípio com as lideranças dos grupos, a fim de obter autorização para observação da dinâmica dos encontros dos grupos, e posteriormente realizar entrevistas junto aos demais membros desses coletivos estudantis religiosos.
Agradecimentos
As autoras agradecem o Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Ambiental da UFLA no qual o presente trabalho se desenvolve. - Referências
Barbour, I. (2004), Quando a ciência encontra a religião: inimigas, estranhas ou parceiras? São Paulo: Cultrix.
Caldas Filho, C. R. (1998), A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, de Rejer Hooykaas. Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, 6(1): 137-143.
Cruz, E. R. (2014), Religião e ciência. São Paulo: Paulinas.
Évora, F. R. R. (1992), Prefácio. In: Évora, F. R. R. (Ed.), Século XIX: o nascimento da ciência contemporânea. Campinas: UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, v. 11. p. xiii-xix.
Galuch, M. T. B. (2013), Da vinculação entre ciência e ensino de ciências: contribuições para a formação docente. Maringá: Eduem.
Gomes, C. M. V., Barroso, M. A., & Paschoalino, P. (2019), Ciência e religião: uma genealogia da modernidade. Mediação, (9): 5-13.
Gould, S. J. (1997), Nonoverlapping Magisteria. Natural History, 106(3): 16-22.
Mayring, P. (2002), Introdução à Pesquisa Social Qualitativa: uma orientação ao pensamento qualitativo. Weinheim: Beltz. 5. ed.
Moraes, R., & Galiazzi M. C. (2016), Análise Textual Discursiva. Ijuí: Editora Unijuí. 3. ed.
Oliveira, G. S., Bizzo, N., & Pellegrini, G. (2017), Evolução Humana e Religião: opiniões de jovens brasileiros e italianos. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 17(1): 135-156. http://dx.doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017171135
Scheliga, E. L., Knoblauch, A. & Bellotti, K. K. (2020). Vínculos religiosos entre estudantes universitários: comparações entre licenciatura e bacharelado. Educar em Revista, 36, e72695. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.72695
Sepúlveda, C., & El-Hani, C. N. (2004), Quando visões de mundo se encontram: religião e ciência na trajetória de formação de alunos protestantes de uma licenciatura em Ciências Biológicas. Investigações em Ensino de Ciências, 9(2): 137-175.
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