Descrição
Trabalho infantil e resultados escolares: análise dos microdados do ensino fundamental em minas gerais de 2019
Betania da Silva Cunha Domingues1, Otávio Ribeiro2, Marcos de Oliveira Garcias3.
1Departamento de Administração Pública/DAP – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
1Departamento de Administração Pública/DAP – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
3Departamento de Gestão do Agronegócio/DAG– Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
betania.domingues@estudante.ufla.br, otavio.ribeiro1@usp.br, marcos.garcias@ufla.br
Resumo. O trabalho infantil ainda é uma realidade no Brasil, comprometendo o desenvolvimento pleno do processo de aprendizado de milhares de crianças e adolescentes. O objetivo geral deste trabalho foi analisar como o trabalho infantil afetou o desempenho escolar dos estudantes dos municípios mineiros em 2019. Para tanto, como metodologia se utiliza da pesquisa quantitativa, com abordagem exploratória e descritiva para demonstrar o desempenho dos alunos nos testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), no ano de 2019, através do modelo de regressão linear múltipla. A pesquisa revelou que a dupla jornada de trabalho, doméstico e externo, afeta negativamente, de forma mais acentuada, os estudantes do 5º ano do ensino fundamental.
Palavras-chave: Trabalho Infantil, Capital humano, Desempenho Escolar.
1. Introdução
Os dados do Diagnóstico do Trabalho Infantil no Brasil, elaborado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024), revelam que Minas Gerais apresenta a maior incidência de trabalho infantil entre as unidades da Federação, tanto em números absolutos quanto percentuais. O estado registra 213.928 crianças e adolescentes, na faixa etária de 5 a 17 anos, em situação de trabalho precoce, representando 13,3% do total nacional. Dentre esses casos, 73.937 enquadram-se nas piores formas de trabalho infantil, conforme definidas pela Lista TIP (BRASIL, 2008).
Essa realidade configura-se como um grave problema social, em especial, quando considerando que o Brasil é signatário das Convenções 132 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelecem a erradicação do trabalho infantil como prioridade (OIT, 1999). A persistência desses números evidencia a necessidade urgente de aprimoramento tanto das políticas públicas de enfrentamento ao problema quanto dos mecanismos de fiscalização por parte do Estado e da sociedade civil.
Portanto, a presente pesquisa do ponto de vista da Administração Pública orienta-se pelo questionamento: Como o trabalho infantil afetou os resultados escolares nas diferentes mesorregiões de Minas Gerais em 2019? A investigação proposta busca analisar as variações regionais desse fenômeno, oferecendo subsídios para políticas públicas mais efetivas para o combate aos impactos negativos do trabalho precoce na educação.
2. Instrumentos metodológicos
Este estudo analisa os impactos do trabalho infantil no desempenho escolar de alunos do ensino fundamental em Minas Gerais em 2019, investigando a relação entre carga horária laboral e proficiência em avaliações educacionais. Diferentemente de pesquisas que utilizam dados da PNAD Contínua, limitados por relatos indiretos e baixa desagregação espacial, esta pesquisa emprega microdados censitários do SAEB, coletados diretamente com estudantes do 5º ano das redes públicas mineiras. Esses dados, fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), permitiram a análise estratificada de variáveis como sexo, tempo dedicado a afazeres domésticos (acima de 3h30 diárias em dias letivos) e trabalho remunerado externo, viabilizando a construção de indicadores regionais precisos. A interrupção da divulgação desses microdados a partir de 2019 devido à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) representa uma limitação significativa para futuros estudos, destacando a necessidade de novos instrumentos metodológicos que conciliem rigor acadêmico e proteção de dados.
Utilizou-se uma abordagem quantitativa exploratório-descritiva regressão linear múltipla, selecionando variáveis que evidenciavam a relação entre trabalho infantil e desempenho escolar no SAEB. O método permitiu testar hipóteses por meio de técnicas mensuráveis e correlações significativas entre trabalho precoce e baixo rendimento escolar. Os resultados validam a metodologia, embora limitações na disponibilidade de dados exijam cautela nas conclusões.
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) utiliza uma escala de proficiência composta por níveis, que indicam habilidades específicas por área do conhecimento e ano escolar.
No 5º ano, a escala de proficiência em Língua Portuguesa é composta por nove níveis, variando de 0 a 325 pontos. O nível inicial corresponde à faixa de 125 a 150 pontos, com acréscimos de 25 pontos entre os níveis seguintes. Em Matemática, a escala possui dez níveis, com pontuação máxima de 350 pontos, mantendo o mesmo intervalo entre os níveis.
Este estudo analisa os resultados da regressão para o 5º anos do Ensino Fundamental de nove anos, em ambas as áreas avaliadas e como o impacto do trabalho infantil pode influenciar no processo de aprendizado, com base nas escalas mencionadas anteriormente.
3. Resultados
A Tabela 01 apresenta que na disciplina de Língua Portuguesa, o impacto atinge 35 pontos, com média de aproximadamente 31 pontos. As mesorregiões que estão acima da média são: NO, NM, VM, BH, VR e CV. Vale recordar que a escala de proficiência do SAEB é dividida em níveis, separando as habilidade a cada 25 pontos. Assim, observando um impacto de até 35 pontos, é possível afirmar que o trabalho infantil reduz o nível de aprendizado do estudante, tendo como padrão a escala do SAEB. Por exemplo, a média alcançada pelo Vale do Mucuri em LP, 2019, foi de 205,39 pontos, estava posicionado no 4º nível (200 a 225). Com a redução de 35 pontos, a média fica em 170 pontos, posicionado-se no 2º nível (150 a 175). Consultando a matriz das habilidades do SAEB percebe-se quanto prejudicial foi a jornada de trabalho na aquisição das habilidades para os estudantes, conform já discutido anteriormente (Degraft, Ferro e Levison, 2016).
Tabela 01 – Regressão Linear Múltipla – 5° ano de Língua – 2019
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do SAEB de 2019
A Tabela 02 apresenta o impacto do trabalho infantil doméstico e fora do domicílio no desempenho dos estudantes do 5º ano. Em Língua Portuguesa, o impacto atinge 35, com média de aproximadamente 31. As mesorregiões que estão acima da média são: NO, NM, VM, BH, VR e CV. Vale recordar que a escala de proficiência do SAEB é dividida em níveis, separando as habilidade a cada -25 pontos. Assim, observando um impacto de até -35 pontos, é possível afirmar que o trabalho infantil reduz o nível de aprendizado do estudante, tendo como padrão a escala do SAEB. Por exemplo, a média alcançada pelo Vale do Mucuri em LP, 2019, foi de 205,39 pontos, estava posicionado no 4º nível (200 a 225). Com a redução de 35 pontos, a média fica em 170 pontos, posicionado-se no 2º nível (150 a 175). Consultando a matriz das habilidades do SAEB percebe-se quão prejudicial foi a jornada de trabalho na aquisição das habilidades para os estudantes, conforme já discutido anteriormente (Degraft, Ferro e Levison, 2016).
Tabela 02 – Regressão Linear Múltipla – 5° ano de Matemática – 2019
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do SAEB de 2019
Em Matemática, o impacto também foi acentuado, reduzindo a 30 pontos, o Vale do Mucuri novamente foi evidenciou essa queda. A média do SAEB era de 215,85; estava no 4º nível. Diminuindo 30 pontos, ficou com 185,85; posicionando-se no 3º nível.
Piaget e Inhelder (2002), ao explicar o desenvolvimento da criança, descreve os estágios, os níveis, ou seja, cada faixa etária apresenta uma maturação, crescimento, a aprendizagem, que vai se desevolvendo gradativamente. Ao gastar esse tempo trabalhando a criança perde a oportunidade se desenvolver em diversas áreas, assim, o trabalho infantil nos anos inicias compromente todo intensamente as aprendizagens.
Além do trabalho infantil, outras variáveis foram selecionadas para compor o modelo de regressão linear múltipla, com o objetivo de verificar de que forma estão afetando o desempenho escolar dos estudantes. A análise das respostas fornecidas pelos alunos aos questionários aplicados permite evidenciar fatores que, de diferentes maneiras, influenciam sua trajetória escolar.
A variável “interação com os pais” apresentou impacto positivo no desempenho dos estudantes do 5º ano, sendo mais expressivo em Língua Portuguesa do que em Matemática, com um valor de 14,71 pontos e alto índice de confiabilidade. No entanto, no 9º ano, os dados não indicaram um efeito positivo significativo dessa variável, sendo o resultado mais elevado registrado na mesorregião Central Mineira, com 6,99 pontos em Matemática.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que a educação é dever do Estado, da família e da sociedade (Brasil, 1988). Contudo, apesar dessa determinação legal, nem sempre há envolvimento regular das famílias no processo educacional. Nesse sentido, Gomes e Cunha (2019), em sua pesquisa, não encontraram evidências estatisticamente significativas que comprovassem a participação dos pais como um fator determinante no desempenho escolar das crianças do 5º ano.
O indicador “entrou cedo na escola” apresentou impacto positivo no desempenho dos estudantes do 5º ano, com destaque para as mesorregiões do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha. Entretanto, outras regiões, como o Noroeste de Minas, a Central Mineira e o Sul/Sudoeste de Minas, apresentaram valores consideravelmente mais baixos.
A variável “reprovação” apresentou impacto negativo significativo tanto em Língua Portuguesa, com destaque para a mesorregião do Jequitinhonha (-40,36 pontos), quanto em Matemática, na mesorregião Central Mineira (-41,17 pontos). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu Artigo 32, inciso II, recomenda que as escolas de Ensino Fundamental adotem mecanismos de progressão continuada ou parcial, a fim de garantir a continuidade do percurso de aprendizagem dos estudantes. Os resultados observados nesta análise corroboram esse princípio legal, uma vez que a reprovação demonstrou efeito negativo no desempenho acadêmico.
A reprovação escolar, diferentemente do trabalho infantil, não deve ser compreendida como uma relação direta de causa e consequência. Embora seus efeitos apareçam com alto nível de significância em análises estatísticas — como em modelos de regressão linear —, sua complexidade exige uma abordagem mais ampla. À luz da teoria de Vygotsky (1978), a reprovação negligencia a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), desconsiderando o potencial de aprendizagem que poderia ser alcançado com a devida mediação pedagógica e interação social. Piaget e Inhelder (2002), por sua vez, destaca que o desenvolvimento cognitivo ocorre por estágios, e a mera repetição de conteúdos, resultado comum da reprovação, não garante assimilação se a criança ainda não atingiu o estágio necessário.
No 5º ano, a variável “abandono escolar” apresentou impacto negativo expressivo na mesorregião do Vale do Mucuri, tanto em Língua Portuguesa (-21,47 pontos) quanto em Matemática (-16,43 pontos). De acordo com Oliveira, Moreira, Machado e Machado (2024), diversos fatores influenciam a permanência do estudante na escola, entre eles a satisfação dos pais com a instituição, a renda familiar, o turno em que o aluno estuda e o desempenho em Matemática.
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Conclusão
Como evidenciado pelos resultados da pesquisa realizada, o trabalho infantil, seja em ambiente domiciliar, extradomiciliar ou de forma concomitante em ambos os contextos, acarreta prejuízos ao desenvolvimento das habilidades cognitivas no processo de aprendizagem.
De acordo com os dados analisados, embora a proporção de crianças em situação de trabalho infantil seja relativamente pequena, o impacto dessa condição no desempenho nos testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é expressivo. Observou-se uma redução de até dois níveis de proficiência entre os alunos afetados. No 5º ano do Ensino Fundamental, os prejuízos foram ainda mais evidentes: crianças que realizam atividades laborais, tanto no ambiente doméstico quanto fora dele, apresentaram uma redução média de -35 pontos em Língua Portuguesa e -30 pontos em Matemática.
Diante desse cenário, é considerando os impactos nocivos do trabalho infantil sobre o processo de aprendizagem, torna-se imprescindível o estabelecimento de uma parceria efetiva entre a Secretaria Estadual de Educação e o Sistema Único de Assistência Social. Essa articulação deve ser pautada no compartilhamento de informações e na formulação de ações intersetoriais de intervenção, com vistas à erradicação total do trabalho infantil e à promoção do pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
5. Referências
BRASIL, C. N. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília 1988.
BRASIL, C. N. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília 1996.
BRASIL. Decreto nº 6.481 de 12 de junho de 2008. Disponível em: https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=DEC&numero=6481&ano=2008&ato=5bdIzY610dVpWT2ee: Acessado em 26/09/2024 2008.
Degraff, D.; Ferro, A.; Levison, D. In Harm's Way: Children's Work in Risky Occupations in Brazil. Journal of International Development, 28, n. 4, p. 447-472, MAY 2016.
Gomes, J.A.M.; Cunha N. B. Percepção do envolvimento parental e o desempenho escolar de crianças do Ensino Fundamental I, Seminário, Ciências Sociais Humanas vol vol.40 no.2 Londrina jul../dez. 2019
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual – PNADC/A. PNADC, BRASÍLIA, p. Relatório da PNADC, 2024. Acesso em: 0 6 de junho de 2024.
OIT. International Programme on the elimination of child labour. Action against child labour: Stra tegies in education. . TRABALHO, O. I. D. Genebra 1999.
Oliveira, Manoela Ziebell de et al. Identificação de Fatores de Risco para Evasão Escolar em Ensino Fundamental e Médio. Avaliação Psicológica, v. 23, n. 4, p. 456-465, 2024.
Piaget, J.; Inhelder B., A psiciologia da Criança, 18 ed. Rio de Janeiro, Brasil. 2002
Vygotsky, L. S. Mind in society: The development of higher psychological processes. Harvard University Press, 1978.against child labour: Stra tegies in education. . TRABALHO, O. I. D. Genebra 1999.
Piaget, J. ;Inhelder B., A psiciologia da Criança, 18 ed. Rio de Janeiro, Brasil. 2002
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