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Memória cultural e a Terra Média: o papel do imaginário tokieneano na construção de cenários de RPG

11 de nov. de 2025 16:00
1h 30m
Centro de Eventos (UFLA)

Centro de Eventos

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Avenida Norte - Lavrinhas, Lavras - MG, 37200-900
Resumo Simples Letras 2º Dia

Descrição

Eron Marcelino da Silva¹, Rodrigo Garcia Barbosa²
¹Departamento de Estudos da Linguagem– Universidade Federal de Lavras (UFLA) Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
²Departamento de Estudos da Linguagem– Universidade Federal de Lavras (UFLA) Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
eron.silva2@estudante.ufla.br, rodrigobarbosa@ufla.br

**Abstract: This expanded summary proposes to study the work of the writer John Ronald Reuel Tolkien, in order to understand its influence on the many narrative proposals for the creation of fictional worlds present on tables of Role Playing Game (RPG). Starting from this corpus, and relying on the postulates of theorists como Joseph Campbell, Tzvetan Todorov, Wolfgang Iser, and others, we intend to discriminate the characteristics present in the construction of imaginary worlds shared by the group of players. In this way, we intend to observe the collective experience within the fictional environments that presents similar aspects to the concept of cultural memory that, according to researcher Aleida Assmann, occur in collective interactions.

Keywords: Cultural Memory, Role Playing Game, Tolkien.

Resumo: Este resumo expandido propõe um estudo da obra do escritor John Ronald Reuel Tolkien, a fim de compreender sua influência nas muitas propostas narrativas de criação de mundos ficcionais presentes nas mesas dos jogos de Role Playing Game (RPG). Partindo desse corpus, e apoiando-se nos postulados de teóricos como Joseph Campbell, Tzvetan Todorov, Wolfgang Iser e outros, pretende-se estudar o processo de criações de personagens e mundos imaginários compartilhados pelo grupo de jogadores. Desse modo pretende-se observar a experiência coletiva dentro de ambientes ficcionais observando a presença de uma memória cultural que, segundo a pesquisadora Aleida Assmann, ocorre nas interações coletivas.

Palavras-chave: Memória Cultural, Role Playing Game, Tolkien.**

Introdução
Quando falamos de Literatura Fantástica é possível invocar, do século passado, diversos autores e obras, dentre as três principais ramificações do gênero, que são terror, ficção científica e fantasia, que são tidas como excêntricas pelos públicos que possuem pouca intimidade com o universo peculiar que elas constituem. Porém, é nas obras de fantasia do escritor John Ronald Reuel Tolkien, mais conhecido como J.R.R. Tolkien, que observamos uma maior influência nas produções deste gênero no final do século XX e início do XXI. O extenso material presente na construção do universo representado em seus livros rompe as barreiras da literatura para conquistar espaço de destaque em incontáveis produções em diversas mídias.
Tolkien é reconhecido mundialmente por sua obra O Senhor dos Anéis, que, por questões editoriais, foi dividida em três livros: A Sociedade do Anel, 1954, As duas Torres, 1954 e O Retorno do Rei, 1955. Mesmo o próprio autor destacando a importância da publicação de seu livro O Silmarilion simultaneamente a estas obras, como complemento enciclopédico da mitologia de seu universo (Eä), chamado por ele de “Mundo secundário”, a obra só foi publicada postumamente por seu filho, Christopher Tolkien, em 1977. Além dessas obras, Tolkien também dedicou seu tempo livre à produção de inúmeros manuscritos que descreviam este "Mundo secundário", ou Terra Média, com uma riqueza de detalhes que, com muita frequência, é associada a seu estilo de narrativa.
Não é de se estranhar que uma proposta narrativa de criação de um mundo fantástico tão detalhado viesse a ser fonte de inspiração para a prática de construção das narrativas interativas das mesas dos jogos de Role Playing Game (RPG), que se popularizaram a partir dos anos 1970 e 1980. Assim sendo, um grupo de pessoas pode reviver cenas emblemáticas de heróis dos quadrinhos, cinema, animações, romances, etc. adaptando esses episódios de heroísmo notável a seus universos particulares, executando uma prática de criação narrativa coletiva que se limita apenas pelo sistema, pelo cenário escolhido para suas sessões de jogos e, claro, pela criatividade dos envolvidos, em um processo que, pela ótica do teórico literário Wolfgang Iser (2013), apresenta fenômenos presentes na construção de mundos imaginários e nas relações que seus elementos simbólicos estabelecem com a realidade de seus coautores na fundamentação de uma noção de realidade particular do universo compartilhado pelo grupo.
Partindo desse fenômeno de construção narrativa coletiva, propõem-se estabelecer um paralelo dessas experiências ficcionais com aquilo que a pesquisadora Aleida Assmann (2011), a partir de estudos dos campos da sociologia e da antropologia cultural, define como o processo de construção de uma memória cultural, a fim de compreender melhor o fenômeno de construção e estabelecimento de imaginários.

Objetivo
Este trabalho busca compreender o processo de criação e estabelecimento de mundos fantásticos dentro do contexto de coautoria das mesas de RPG, a fim de estabelecer o papel que a realidade de seus autores, e os diferentes universos fantásticos aos quais esses autores são expostos, implicam no processo de construção de uma narrativa que, embora sendo parte de uma história ficcional, apresenta experiências capazes de construir uma memória histórica tão relevante para as construções identitárias quanto as documentadas pela humanidade.

Objetivos Específicos
• Observar os elementos constituintes da obra de Tolkien a fim de exaltar elementos exclusivos de seu processo de ambientação do imaginário, como também a presença de elementos de outras origens que “povoam” suas histórias;
• Buscar em cenários já bem estabelecidos no mercado de jogos de RPG aqueles elementos, estéticos e estruturais, mais frequentes em seu processo de criação e reprodução das propostas de mesas de jogo;
• Analisar a construção e estabelecimento da memória cultural dentro dos diferentes nichos de jogos, assim como suas estrapolações para obras literárias subsequentes.

Quadro Teórico e Metodológico
Apesar das inúmeras correspondências e publicações de caráter teórico que tratam de sua obra, é pouco provável que o processo criativo do autor John Ronald Reuel Tolkien seja decifrado e organizado como um método de criação objetivo, muito em decorrência das características singulares de sua obra literária. Dessa forma, nossa análise faz uso da Narratologia, proposta inicialmente pelo filósofo e linguista Tzvetan Todorov em seu livro A Gramática do Decameron (1969), assim como do conceito de monomito (Jornada do Herói), proposto inicialmente pelo antropólogo Joseph Campbell na obra O Herói de Mil Faces (1949), para melhor explicar os processos que envolvem a criação de personagens tanto na obra de Tolkien quanto nas narrativas que constituem os cenários de RPG. A partir desse estudo das estruturas das narrativas, presentes tanto em Tolkien quanto nos cenários de RPG, pretende-se levantar aspectos fundamentais da criação e estabelecimento de um imaginário literário, conceito esse proposto por Wolfgang Iser (2013) no texto O fictício e o imaginário: perspectivas de uma antropologia literária, para explicar como os diferentes ambientes narrativos compartilham de padrões estéticos específicos na construção de uma identidade literária dentro do gênero fantástico.
Inicialmente nossa análise se volta para aqueles cenários já amadurecidos e bastante experimentados por jogadores e especialistas do ramo que, por influência ou notoriedade, são publicados como uma forma de suplemento narrativo para aqueles interessados em iniciar na atividade, para que possamos, então, estudar os traços narrativos do “Segundo Mundo” de Tolkien em formulações de diferentes cenários medievais fantásticos propostos para o sistema de jogos Dungeon & Dragons, que são publicados majoritariamente pela Tactical Studies Rules (TSR) de 1974 à 1997 e pela Wizards of the Coast a partir de 1997.
Diante desse processo de interação de indivíduos e personagens em realidades paralelas, podemos analisar, com as devidas ressalvas, o processo de construção de uma memória cultural. A forma como as personagens projetadas pelos jogadores interagem com os cenários de campanha oficiais reproduz, potencialmente, os mesmos processos que as interações dos indivíduos na nossa realidade produzem na construção e estabelecimento de uma memória funcional, como salientado por Aleida Assmann (2011, p.132): “A história de vida, que a pessoa ‘habita’, liga recordações e experiências numa estrutura que, enquanto auto-imagem formativa, define a vida e orienta a acção”. De forma semelhante essas memórias podem ser revisitadas pelos jogadores, ou até mesmo um narrador que se proponha a documentá-las, no processo de acessar uma memória de arquivo, como afirma a autora:
Os elementos da memória de arquivo, na verdade, pertencem ao indivíduo, mas eles constituem o fundo que, em determinado momento, seja por que for, se escapa ao seu alcance. Para que a memória possa desenvolver uma força orientadora, os elementos têm de ser objeto de apropriação, ou seja, selecionados de acordo com sua importância, tornados acessíveis e interpretam nestas histórias as suas experiências. (Assermann 2011, p. 134)

Portanto, podemos considerar o processo de construção dos cenários de RPG, e suas variações argumentativas, como um movimento de revisitação, constante, de um lugar presente no mundo narrado nas obras de Tolkien: a Terra Média. Através da reprodução, e releitura, de elementos presentes nesses cenários, são configuradas as personagens, ou lugares de recordação, e os jogadores podem reviver experiências estabelecidas na leitura da obra do autor de O Senhor dos Anéis e agregadas ao imaginário literário compartilhado pelos leitores/jogadores.

Conclusão
Ao tratarmos os cenários medievais de jogos de RPG como extensões da própria Terra Média, ou “Mundo Secundário”, de Tolkien é possível notar características narrativas propostas pelo autor e que remetem a uma visão da primeira metade do século XX. Mesmo que os jogadores abordem temas atuais e interajam com narrativas cada vez mais ricas, de argumentos e propostas interativas, suas construções estão limitadas por uma realidade particular do modelo de universo no qual suas histórias se passam. As possibilidades são afuniladas em elementos como, por exemplo, a forma simplista como são apresentadas as relações entre “bem” e “mal”, a importância sistemática com que o cotidiano das raças fantásticas é descrito na narrativa, além da curiosa forma que Tolkien opta para representar uma narrativa épica, em que a importância da figura do herói é decentralizada a partir da construção de um grupo de indivíduos cuja história apresenta significado para além da demanda de um herói individual, resultando em alternâncias de protagonismo dentro da história narrada. Em suma, mesmo que algumas questões de ordem sociopolítica sejam abordadas e aplicadas nas narrativas de jogos de RPG, é comum que os cenários medievais fantásticos retornem a esse local singular construído por um professor de Oxford durante a conturbada primeira metade do século XX, fazendo com que os elementos propostos para a narrativa e o objetivo, ou tom, narrativo almejado por um grupo de jogadores estejam, em grande medida, vinculados aos valores e noções de vida característicos daquele momento histórico, se tornando parte, ou mesmo uma extensão, desse local de recordação.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro da agência CAPES.

Referências
Adorno, T. W. e Horkheimer, M. (2002) “Indústria Cultural e Sociedade”, São Paulo: Paz e Terra.
Assmann, A. (2011) “Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural”, Campinas, SP: Editora da Unicamp.
Arbex, M. (2006) “Poéticas do visível. Ensaios sobre a escrita e a imagem”, Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários.
Benjamin, W. (1987) “Obras escolhidas”, São Paulo: Brasiliense.
Bourdieu, P. (1996) “As Regras da Arte: Gênese e Estruturado Campo Literário”, Trad. Maria Lúcia Machado. SãoPaulo: Companhia das Letras.
Iser, W. (2013) “O fictício e o imaginário: perspectivas de uma antropologia literária”, Trad. Johannes Kretschmer. 2. Ed. Rio de Janeiro: EdUERJ.
Campbell, J. (2007) “O herói de mil faces”, São Paulo:Pensamento.
Hobsbawm, E. (1995) “Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991”, São Paulo: Companhia das Letras.
Horkheimer, M. e Adorno, T. W. (1997) “Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos”, Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Seligmann-silva, M. (2012) “Imagens do trauma e sobrevivência das imagens: sobre as hiperimagens”, In: CORNELSEN, Elcio Loureiro; SELIGMANN-SILVA, Marcio; VIEIRA, Elisa Maria Amorim. (orgs.). Imagem e Memória. Belo Horizonte: Faculdade de Letras - UFMG, p. 63-79.
Todorov, T. (1981) “Introdução à literatura fantástica”, Silvia Delpy. Editions du Seuil. Moréia: Premia S.A.
Todorov, T. (1973) “Gramática del decamerón”, Taller de Ediciones, Josefina Betancor.
Tolkien, J. R. R. (1994) “O Senhor dos Anéis: A sociedade do anel”, São Paulo: Martins Fontes.
Tolkien, J. R. R. (1994) “O Senhor dos Anéis: As duas torres”, São Paulo: Martins Fontes.
Tolkien, J. R. R. (1994) “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, São Paulo: Martins Fontes.
Tolkien, J. R. R. (1999) “O Silmarillion”, São Paulo: Martins Fontes.
White, M. (2002) “Tolkien: uma biografia”, Rio de Janeiro: Imago.

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Autores

Eron Marcelino da Silva (UFLA) Rodrigo Garcia Barbosa (UFLA)

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