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EPIFANIAS DAS ÁGUAS: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR SOBRE CIÊNCIA, AMBIENTE E PERTENCIMENTO NO POEMA DE MANOEL DE BARROS

10 de nov. de 2025 13:30
1h 30m
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Resumo Expandido Educação Científica e Ambiental 1º Dia

Descrição

NOGUEIRA, Karina.1
, NASCIMENTO JUNIOR, Antônio F.2, RIBEIRO, Laise V. G.3
1Departamento de Biologia/ICN – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Caixa Postal 3037 – 37200-000 – Lavras, MG – Brazil
2Departamento de Biologia/ICN – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
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3Departamento de Biologia/ICN – Universidade Federal de Lavras (UFLA)
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karina.nogueira3@estudante.ufla.br, antoniojunior@ufla.br , laiseribeiro@ufla.br

Resumo
Este trabalho discute o potencial da literatura como disparadora de propostas interdisciplinares no ensino de Ciências, a partir do poema Águas, de Manoel de Barros. Analisa-se como a linguagem poética pode articular dimensões biológicas, ecológicas, geográficas, culturais e estéticas, em consonância com a Educação Científica e Ambiental crítica. Foram identificados eixos temáticos e categorias que evidenciam possibilidades pedagógicas de integração entre saberes, pertencimento e justiça socioambiental. Defende-se que a literatura, ao ser reconhecida em sua potência estética e epifânica, pode contribuir para superar a fragmentação disciplinar, favorecendo uma educação sensível e crítica.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Educação Científica e Ambiental; Literatura e Natureza.
Abstract.
This paper discusses the potential of literature as a trigger for interdisciplinary approaches in Science Education, based on Manoel de Barros’ poem Águas. It analyzes how poetic language can articulate biological, ecological, geographical, cultural, and aesthetic dimensions, in line with critical Scientific and Environmental Education. The study identified thematic axes and categories that highlight pedagogical possibilities for integrating knowledge, belonging, and socio-environmental justice. It argues that literature, when recognized in its aesthetic and epiphanic power, can help overcome disciplinary fragmentation, fostering sensitive and critical education.
Keywords: Interdisciplinarity; Scientific and Environmental Education; Literature and Nature.
1. Introdução
O ensino de Ciências no Brasil tem se deparado com a necessidade de reformular suas práticas, a fim de contemplar a complexidade das questões ambientais contemporâneas. Problemas como mudanças climáticas, degradação de biomas e injustiças socioambientais demandam uma formação científica crítica e contextualizada. Nesse cenário, a interdisciplinaridade surge como eixo estruturante das práticas pedagógicas, permitindo articular diferentes campos do conhecimento para a compreensão e enfrentamento dos desafios globais.

A literatura pode ser compreendida como espaço privilegiado para a sensibilização e reflexão crítica, não apenas como recurso didático. Ela se apresenta como linguagem originária que favorece experiências singulares de percepção e pertencimento (Larrosa, 2002). O poema Águas, de Manoel de Barros, assume esse papel ao articular elementos naturais, culturais e identitários, convidando à reflexão sobre nossa relação com a natureza e com o território.

Problema de pesquisa: Como a leitura do poema Águas pode contribuir para o ensino interdisciplinar de Ciências e Educação Ambiental crítica?
Objetivo geral: Analisar as potencialidades pedagógicas do poema Águas como disparador de propostas interdisciplinares em Ciências e Educação Ambiental.
Objetivos específicos: (i) identificar eixos temáticos e categorias presentes no poema; (ii) relacionar tais eixos a abordagens interdisciplinares; (iii) discutir suas implicações pedagógicas.
2. Fundamentação Teórica
A Educação Científica e Ambiental crítica é marcada pela busca de práticas que ultrapassem a mera transmissão de conteúdos. Ela se ancora em perspectivas que defendem a formação cidadã e ecológica, estimulando a participação ativa dos sujeitos (Sato, 2002; Layrargues, 2004). Para Sauvé (2005), as correntes da Educação Ambiental podem ser agrupadas em enfoques naturalistas, pragmáticos, críticos e holísticos, sendo este último o mais alinhado a práticas interdisciplinares que integram dimensões cognitivas, afetivas e éticas.

A interdisciplinaridade, segundo Fazenda (1993), exige uma atitude de abertura e diálogo entre campos distintos do saber. Morin (2000) reforça essa ideia ao propor a necessidade de um pensamento complexo, capaz de integrar e contextualizar os conhecimentos. Nesse sentido, a literatura, longe de ser apenas ilustração, pode contribuir para a construção de significados ampliados, servindo como via de articulação entre ciência e sensibilidade.

Candido (1995) destaca que a literatura humaniza e amplia a experiência, sendo fundamental reconhecê-la em sua legitimidade estética. Evitar sua instrumentalização é um ponto-chave para que não seja reduzida a simples veículo de conteúdos, mas que seja entendida como linguagem de conhecimento e de experiência.
3. Desenvolvimento

O poema Águas celebra a interdependência entre natureza e cultura, associando águas, seres vivos e memória pantaneira, como pode ser observado no poema:
Desde o começo dos tempos águas e chão se amam. Eles se entram amorosamente E se fecundam. Nascem formas rudimentares de seres e de plantas Filhos dessa fecundação. Nascem peixes para habitar os rios E nascem pássaros para habitar as árvores. Águas ainda ajudam na formação das conchas e dos caranguejos. As águas são a epifania da Natureza. Agora penso nas águas do Pantanal Nos nossos rios infantis Que ainda procuram declives para correr. Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas para o alvoroço dos pássaros. Prezo os espraiados destas águas com as suas beijadas garças. Nossos rios precisam de idade ainda para formar os seus barrancos Para pousar em seus leitos. Penso com humildade que fui convidado para o banquete destas águas. Porque sou de bugre. Porque sou de brejo. Acho que as águas iniciam os pássaros Acho que as águas iniciam as árvores e os peixes E acho que as águas iniciam os homens. Nos iniciam. E nos alimentam e nos dessedentam. Louvo esta fonte de todos os seres, de todas as plantas, de todas as pedras. Louvo as natências do homem do Pantanal. Todos somos devedores destas águas. Somos todos começos de brejos e de rãs. E a fala dos nossos vaqueiros carrega murmúrios destas águas. Parece que a fala de nossos vaqueiros tem consoantes líquidas E carrega de umidez as suas palavras. Penso que os homens deste lugar são a continuação destas águas (BARROS, 1993, p. 45).
A análise fundamentou-se na metodologia de Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), permitindo organizar eixos temáticos e categorias que dialogam com áreas diversas:
Eixo Temático Categoria Exemplo no Poema Possíveis Abordagens Interdisciplinares
Biológico Origem da vida e biodiversidade “Nascem formas rudimentares de seres e de plantas” Gênese da vida, classificação dos seres vivos
Ecológico Interdependência e sustentabilidade “As águas iniciam os homens [...] e nos dessedentam” Ciclo da água, ecossistemas, educação ambiental crítica
Geográfico Paisagem e identidade regional “Penso nas águas do Pantanal” Biomas, hidrografia, pertencimento
Epistemológico Crítica à racionalidade científica “A fala dos vaqueiros carrega murmúrios destas águas” Filosofia da ciência, epistemologias plurais
Estético-literário Linguagem poética como experiência “As águas são a epifania da Natureza” Literatura e leitura sensível
Cultural e Identitário Cultura e modos de vida “Sou de bugre. Sou de brejo.” Antropologia da natureza, narrativas locais
Ético-político Justiça socioambiental “Todos somos devedores destas águas” Justiça ecológica, populações tradicionais

O poema Águas apresenta a água como origem da vida, matriz cultural e elemento de pertencimento. Sua linguagem metafórica e imagética permite múltiplas interpretações e articulações com as Ciências da Natureza, a Geografia, a Filosofia da Ciência e a Educação Ambiental crítica.

A análise utilizou a metodologia de Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), que possibilitou identificar eixos temáticos como biológico, ecológico, geográfico, epistemológico, estético, cultural e ético-político. Cada um deles abre caminhos pedagógicos para abordagens interdisciplinares, permitindo que professores criem sequências didáticas integradas.

Por exemplo, ao trabalhar o eixo biológico, pode-se explorar conteúdos sobre origem da vida e biodiversidade, enquanto o eixo geográfico abre espaço para reflexões sobre biomas, hidrografia e pertencimento territorial. Já o eixo epistemológico convida à discussão sobre diferentes formas de produção do conhecimento, valorizando saberes locais e epistemologias plurais (Latour, 1994).

Além da análise textual, o poema pode ser trabalhado em atividades como rodas de leitura, produção de mapas afetivos e debates interdisciplinares. Essas práticas ampliam a escuta sensível e favorecem que estudantes reconheçam sua inserção em uma ecologia de saberes.
4. Discussão
A proposta pedagógica derivada da leitura do poema Águas evidencia como a literatura pode fortalecer práticas interdisciplinares no ensino de Ciências. A articulação entre diferentes saberes contribui para superar a fragmentação do conhecimento escolar, integrando dimensões cognitivas e afetivas.

Na prática docente, o poema pode ser utilizado como disparador de projetos interdisciplinares que envolvam professores de Ciências, Geografia, História e Língua Portuguesa. Por exemplo, pode-se propor um projeto escolar que investigue a importância da água em diferentes dimensões: biológica (ciclo da água), geográfica (hidrografia local), cultural (memórias e narrativas da comunidade) e literária (leitura e produção de poemas).

Essa abordagem favorece não apenas a aprendizagem de conteúdos, mas também a formação ética e cidadã dos estudantes, ampliando sua consciência ecológica e política. Ao reconhecer a água como epifania da natureza, Manoel de Barros convida a pensar a vida como interdependência, desafiando a racionalidade fragmentada da modernidade.
5. Considerações Finais
O trabalho realizado indica que o poema Águas pode ser um recurso potente para práticas pedagógicas interdisciplinares, favorecendo o desenvolvimento de um letramento científico crítico e sensível. Ao integrar saberes diversos, a proposta contribui para aproximar ciência, arte e cultura local.

Como limitação, destaca-se que este estudo se concentrou em uma análise teórica e textual do poema, sem aplicação empírica em sala de aula. Pesquisas futuras podem explorar a efetividade de propostas didáticas baseadas na literatura em contextos reais de ensino, avaliando impactos na aprendizagem e na formação cidadã dos estudantes.

Conclui-se que a literatura, quando reconhecida em sua potência estética e epifânica, pode servir como ponte entre ciência e vida, contribuindo para uma Educação Científica e Ambiental comprometida com a complexidade, a diversidade e a justiça socioambiental.
Referências
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
BARROS, M. Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993.
CANDIDO, A. O direito à literatura. In: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1993.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, 2002.
LATOUR, B. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 1994.
LAYRARGUES, P. P. A Educação Ambiental na sociedade de risco. São Paulo: Cortez, 2004.
LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petrópolis: Vozes, 2001.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez/UNESCO, 2000.
SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. Estudos de Psicologia, v. 10, n. 2, 2005.
SATO, M. Educação ambiental: pressa de aprender, pressa de ensinar. In: Reunião da ANPED, 2002.

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Autores

Antonio Fernandes Nascimento Junior (UFLA) Karina Nogueira (UFLA) Laise Vieira Gonçalves Ribeiro (UFLA)

Co-autor

Tiago Serpa Barbosa Chaves (Universidade Federal de Lavras - UFLA)

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