Descrição
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Introdução
A cultura de batata-doce (Ipomoea batatas L. Lam) ocupa posição de destaque entre os alimentos básicos mais cultivados e consumidos no mundo. Trata-se de uma cultura de ciclo curto e elevada resiliência a condições adversas, o que reforça sua relevância econômica e social, sobretudo em países da Ásia e da África, regiões marcadas por populações significativas e desafios socioeconômicos (Bach et al., 2021). Com produção global superior a 90 milhões de toneladas anuais, a espécie apresenta ampla diversidade de genótipos e variações de polpa, ricas em carboidratos, fibras, proteínas, vitaminas, minerais e compostos bioativos (Shen et al., 2024; Escovar-Puentes, 2022). Utilizada tradicionalmente para consumo in natura, processamento industrial, produção de amido e alimentação animal, a batata-doce tem despertado, nos últimos anos, crescente interesse tanto dos produtores, pelo rendimento, quanto dos consumidores, por atributos sensoriais, como sabor, textura e aroma, fatores decisivos para a aceitação do produto. (Zhang et al., 2025; Zhang et al., 2021).
A cultivar BRS Amélia (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA) apresenta polpa alaranjada intensa, resultado de seu elevado teor de carotenoides, especialmente β-caroteno, que atua como pró-vitamina A. Embora contenha antocianinas, pigmentos associados a propriedades antioxidantes, estas se concentram em menor quantidade, sendo os carotenoides os principais responsáveis pela coloração e pelos benefícios nutricionais da cultivar (EMBRAPA, 2016).
O cozimento é responsável por realçar o sabor, pois as altas temperaturas levam à desnaturação de proteínas, gelatinização do amido, caramelização resultando na produção de uma variedade de compostos voláteis (Shen et al., 2024). O destaque para o preparo assado relata a formação de diversos Compostos Orgânicos Voláteis (COVs) ativos no dentre os quais destacam-se maltol, fenilacetaldeído, metil-geranato, 2-pentil furano, β-ionona (Zhang et al., 2025).
Nesse contexto, este trabalho teve como objetivo identificar os compostos voláteis na cv. BRS Amélia (EMBRAPA) visando contribuir para a compreensão do perfil aromático do tubérculo. -
Metodologia
2.1. Obtenção e preparo das amostras
Os tubérculos foram cultivados e colhidos após 150 dias no Centro de Desenvolvimento e Transferência de Tecnologia (CDTT) da Universidade Federal de Lavras – UFLA, no período de dezembro de 2024 a maio de 2025, no município de Ijaci, Minas Gerais, Brasil (21º09'51"S, 44º55'02"W, 833 m de altitude).
2.2. Extração dos voláteis
Os compostos voláteis foram extraídos pela técnica de microextração em fase sólida (SPME). A fibra de polidimetilsiloxano/divinilbenzeno (PDMS/DVB, 65 µm, Supelco) foi utilizada para a separação dos compostos voláteis presentes na amostra. Um grama de batata-doce fresca foi transferido para frasco de vidro de 15 mL, pré-tratada a 100 °C por 30 min e extraída na mesma temperatura por mais 30 min, a seringa foi imediatamente levada ao injetor do cromatógrafo, no qual os compostos voláteis foram dessorvidos a 220 °C por 2 min (Adaptado de Zhang et al., 2025).
A identificação dos compostos voláteis foi realizada por cromatografia gasosa associada à espectrometria de massas. Para tanto, utilizou-se um aparelho Shimadzu CG-2010, com detector seletivo de massas modelo QP5050A, nas seguintes condições operacionais: coluna capilar de sílica fundida de 30 m × 0,25 mm e 0,25 µm de espessura, fase estacionária 5% de difenil e 95% de polidimetilsiloxano (DB5); temperatura do injetor 220°C; temperatura inicial da coluna 40°C, aumentando 3°C por minuto até 240°C; gás de arraste hélio, com vazão de 1,0 ml min-1 na coluna; razão de split 1:10; volume injetado 1 µl e pressão inicial da coluna 100 KPa.
As condições do espectrômetro de massa foram detector de massa seletivo operando por impacto de elétrons e energia de impacto de 70 eV; velocidade de varredura de 1.000 m/zs −1 ; intervalo de varredura de 0,5 fragmentos/s e fragmentos detectados de 29 e 600 Da. Cada componente foi, tentativamente, identificado pela comparação de seus índices de retenção relativos à coinjeção de uma solução padrão de n-alcanos (Sigma–Aldrich, St. Louis, MO) e pela comparação dos espectros de massa do banco de dados da biblioteca Wiley (Wiley 8. FFNSC.1.2. lib e LIB). As concentrações dos constituintes presentes na fração volátil foram expressas pela porcentagem de área do cromatograma total de íons (área normalizada em porcentagem). - Resultados e discussão
Um total de 27 compostos voláteis foram identificados na batata-doce BRS Amélia e classificados em seis classes químicas: aldeídos, álcoois, cetonas, furanos, ésteres e terpenoides (Figura 1 A). A Figura 1B exibe a relação entre a percepção sensorial e os compostos característicos da batata-doce BRS Amélia, sintetizando a associação entre o que foi identificado na análise instrumental (GC-MS) e como os compostos são notados pelo paladar e olfato no momento do consumo do alimento.
Figura 1. (A) Distribuição das classes de compostos voláteis de batata-doce BRS Amélia. (B) Relação entre percepção sensorial e compostos característicos da BRS Amélia.
Os terpenoides e aldeídos foram as classes mais representativas em termos de número de compostos, indicando que desempenham papel principal no aroma característico dessa cultivar. Entre os terpenoides, o linalol e o nerol estão associados a notas florais e adocicadas, enquanto o β-ciclocitral e a β-ionona conferem nuances de menta, violeta e framboesa. Nos aldeídos, o hexanal e o nonanal contribuem com percepções verdes e cítricas, enquanto o benzaldeído e o fenilacetaldeído estão ligados a notas adocicadas de amêndoa, mel e caramelo. Já compostos como o 2-pentil-furano e o hexanoato de etila intensificam características frutadas e amanteigadas, e álcoois como o 1-hexanol e o 2-feniletanol acrescentam toques herbais e florais. Dessa forma, a associação apresentada evidencia que o equilíbrio entre compostos de diferentes classes resulta em um perfil aromático complexo, no qual notas florais, frutadas e adocicadas são mais facilmente percebidas pelo consumidor. (Zhang et al., 2021; Zhang et al., 2025; Shen et al. 2024).
Na Tabela 1 são apresentados os compostos voláteis identificados na batata-doce BRS Amélia, organizados por classe química, fórmula molecular, estrutura química e percepção sensorial. Os terpenoides, como linalol, mirtenol, β-ciclocitral, nerol, (-)-alfa-gurjuneno, (-)-cariofileno, gama-muuroleno, (E)-β-ionona e α-muuroleno, conferem aromas florais, herbais, balsâmicos, frutados e picantes. Já os aldeídos, incluindo hexanal, benzaldeído, 2,4-heptadienal, fenilacetaldeído, 2-octenal, nonanal, 2-fenilpropanal e decanal, estão associados a notas de gordura, doce, mel, castanha e casca de laranja (Zhang et al., 2025).
O β-ciclocitral é um apocarotenoide volátil derivado da oxidação do β-caroteno (Havaux, 2020). Sua identificação, pode estar relacionada à degradação térmica de carotenoides durante o cozimento, processo responsável pela liberação de apocarotenoides em raízes de batata-doce (He et al., 2025; Shen et al., 2024).
Tabela 1. Identificação de compostos voláteis em batata-doce BRS Amélia
As demais classes, como álcoois (1-hexanol, 1-octen-3-ol, oct-3-en-2-ol, 2-feniletanol, ciclohexanol), cetonas (6-metil-5-hepten-2-ona), furanos (2-pentil-furano) e ésteres (hexanoato de etila), embora menos abundantes, contribuem com nuances verdes, herbais, frutadas e cítricas, aumentando a complexidade sensorial da polpa. Dessa forma, a combinação de diferentes classes e compostos voláteis resulta em um perfil aromático complexo e equilibrado, característico dessa cultivar (He et al., 2025; Yao et al., 2024).
O perfil de compostos voláteis exposto acima, sugere que a predominância de terpenoides e aldeídos é determinante para o aroma da batata-doce BRS Amélia, com os álcoois, cetonas, furanos e ésteres atuando como complementos aromáticos. Este padrão é consistente com estudos anteriores que identificaram aldeídos e terpenoides como as principais classes de compostos voláteis em diferentes variedades de batata-doce, sendo responsáveis por notas doces, frutadas e herbais (Zhang et al., 2025; Shen et al., 2024; He et al., 2025).
Em síntese, a combinação de terpenoides, aldeídos com álcoois complementares resulta em um perfil aromático complexo e equilibrado, característico da BRS Amélia, destacando sua potencialidade sensorial e relevância para consumo e processamento.
4. Conclusão
A caracterização dos compostos voláteis da batata-doce BRS Amélia evidenciou a predominância de terpenoides e aldeídos, classes responsáveis por notas florais, frutadas e doces, que definem o perfil aromático dessa cultivar. Compostos como linalol, β-ciclocitral, β-ionona, hexanal e benzaldeído foram determinantes para a expressão das principais percepções sensoriais associadas. A integração entre diferentes classes químicas resultou em um perfil equilibrado e complexo, destacando a potencialidade sensorial da cultivar para consumo in natura e aplicações em processamento. Esses resultados contribuem para o fortalecimento de programas de estudo e melhoramento voltados à qualidade sensorial e valorização do consumo e consequente comércio da batata-doce.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio financeiro das agências CAPES, CNPq e FAPEMIG, que tornaram possível a execução desse trabalho.
5. Referências
BACH, D. et al. Sweet Potato (Ipomoea batatas L.): a versatile raw material for the food industry. Brazilian Archives of Biology and Technology, v. 64, p. e21200568, 2021. DOI: 10.1590/1678-4324-2021200568.
EMBRAPA CLIMA TEMPERADO. Batata-doce: BRS Amélia. Pelotas: Embrapa Clima Temperado, 2016. Disponível em: https://bs.sede.embrapa.br/2016/relatorios/climatemperado_2016_batatadoceamelia.pdf. Acesso em: 27 set. 2025.
ESCOVAR-PUENTES, A. A. et al. Sweet Potato (Ipomoea batatas L.) Phenotypes: From Agroindustry to Health Effects. Foods, v. 11, n. 7, p. 1058, 2022. DOI: 10.3390/foods11071058.
HAVAUX, M. β-Cyclocitral and derivatives: Emerging molecular signals serving multiple biological functions. Plant Physiology and Biochemistry, v. 155, p. 35-41, 2020. DOI: 10.1016/j.plaphy.2020.07.032
HE, S. et al. Effects of different roasting conditions on sugars profile, volatile compounds, carotenoids and antioxidant activities of orange-fleshed sweet potato. Food Chemistry: X, v. 25, 2025. DOI: 10.1016/j.fochx.2025.102201.
SHEN, X. et al. Volatile compounds analysis and sensory profiling of four colored roasted sweet potatoes via HS-SPME GC-O-MS and HS-SPME GC×GC-TOF MS. Journal of Food Composition and Analysis, v. 131, 2024. DOI: 10.1016/j.jfca.2024.106256.
YAO, Y. et al. Exploration of Raw Pigmented-Fleshed Sweet Potatoes Volatile Organic Compounds and the Precursors. Molecules, v. 29, n. 606, 2024. DOI: 10.3390/molecules29030606.
ZHANG, J. et al. Impact of cyclic temperature treatments on sweetpotato saccharification: starch gelatinization dynamics and soluble sugar modulation. LWT – Food Science and Technology, 2025, 118492. DOI: 10.1016/j.lwt.2025.118492.
ZHANG, R. et al. Characterization of volatile compounds profiles and identification of key volatile and odor-active compounds in 40 sweetpotato (Ipomoea batatas L.) varieties. Food Chemistry: X, v. 25, 2025. DOI: 10.1016/j.fochx.2024.102058.
ZHANG, R. et al. Optimization of HS-SPME for GC-MS Analysis and Its Application in Characterization of Volatile Compounds in Sweet Potato. Molecules, v. 26, n. 5808, 2021. DOI: 10.3390/molecules26195808.
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